
Razões humanitárias
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Na mitologia da polÃtica brasileira, o Partido dos Trabalhadores sempre se apresentou como defensor dos fracos e dos oprimidos, como o partido dos pobres e da justiça social. Isso nunca correspondeu àrealidade, mas a experiência do PT no poder reforça ainda mais a distância entre suas pregações e sua prática. É como a amplidão que separa o céu do inferno. Em lugar do apreço a valores éticos e morais universais, o governo petista exercita a truculência. Em vez da defesa dos direitos humanos, prefere advogar a favor da pesada hierarquia. Ao sagrado direito de ir e vir, opta pela interposição de limites e barreiras. À liberdade, escolhe ficar com o claustro. Tais constatações emergem da atitude petista em dois episódios recentes: a intempestiva reação do governo da presidente Dilma Rousseff àtransferência do senador boliviano Roger Pinto Molina para o Brasil por um diplomata, feita àrevelia do Itamaraty, e o tratamento dispensado pela administração federal aos médicos cubanos que virão servir nos rincões e periferias brasileiras. No caso do incidente diplomático, está claro que Eduardo Saboia – o diplomata encarregado de negócios da embaixada brasileira em La Paz que trouxe Molina ao Brasil – agiu puramente por razões humanitárias ao protagonizar a quixotesca viagem que permitiu ao senador fazer o que há 15 meses ele aguardava sem sucesso: deixar a BolÃÂvia. Saboia atuou para evitar que a vida de um ser humano continuasse em risco, já que era sabido que as condições de saúde do polÃtico boliviano encontravam-se frágeis. Fez, na prática, o que a presidente da República defendeu ontem ser a atribuição de um “Estado democrático civilizado” como o Brasil: “Um governo age para proteger a vida”. O senador oposicionista é pedra no sapato do presidente Evo Morales e, em razão disso, não obteve do governo boliviano salvo-conduto que lhe permitisse deixar seu paÃs em segurança. Nem as mais sangrentas ditaduras agem desta maneira. A diplomacia companheira do PT tampouco se esforçou por obter tal aval de La Paz, a quem trata com luvas de pelica. Quem, afinal, agiu efetivamente para proteger a vida de Molina? Em resposta ao traslado do senador ao Brasil, a presidente Dilma defenestrou o chanceler Antonio Patriota, submeteu o diplomata Saboia a um processo de sindicância e, ontem, cancelou a transferência do embaixador na BolÃÂvia, Marcelo Biato, para um posto mais valorizado em Estocolmo. Além disso, o senador Molina agora também corre risco de ser extraditado para a BolÃÂvia. Ao gesto heroico, a gestão do PT retrucou com pesado tacão. A mesma atitude indecorosa está presente no tratamento que o governo petista está dispensando aos médicos que estão chegando de Cuba para atuar no paÃs. Ninguém, absolutamente ninguém, é contra ampliar o número de profissionais de saúde àdisposição da população, principalmente a que vive mais distante. Mas daàa aceitar como normais as condições impostas ao trabalho dos cubanos vai longa distância. Sabe-se, até agora, que os médicos cubanos receberão como remuneração apenas uma fração do que ganharão os profissionais vindos de outros paÃses. Quanto, ninguém é capaz de afirmar, nem mesmo o governo – em tese, seu patrão e maior interessado em garantir a qualidade do serviço que prestarão aos brasileiros. De antemão, aos médicos cubanos também será vedada a possibilidade de concessão de asilo, caso algum deles decida não retornar ao regime ditatorial da ilha. Seus passos serão vigiados e sua liberdade de ir e vir, cerceada. Os cubanos também não poderão trazer suas famÃÂlias para o Brasil, numa das mais duras privações a que um ser humano pode ser submetido. Discriminados, não disporão de igualdade de tratamento nem de condições de trabalho e remuneração similares às dos demais profissionais importados. Há, portanto, assim como no caso do senador Molina, razões humanitárias que levem àdiscordância em relação àprática adotada pelo governo da presidente Dilma Rousseff – embora não se justifiquem gestos extremos, agressões e atitudes xenófobas. Entre as boas intenções que a gestão petista manifesta e suas práticas vai distância maior que a que separa céu e inferno.
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