Palanque na ONU

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Dilma Rousseff foi a Nova York falar grosso na abertura da Assembleia Geral da ONU. É o que a nossa presidente mais gosta de fazer. A destreza que exibe para vociferar, ela não consegue empregar para tomar decisões corretas e efetivá-las. Também nas ações contra espionagem e nos planos de regulação da internet tem sido assim. É correto Dilma protestar contra intromissões indevidas de bisbilhoteiros na vida do país. Merece solidariedade e apoio de todos os brasileiros por isso. Mas daí­ a engolir seu discurso moldado pelo marketing e orientado por pesquisas eleitorais vai distância tão longa quanto a que separa as palavras da presidente das ações de seu governo. O governo brasileiro encontrou um inimigo externo dos sonhos com a descoberta das repugnantes atividades de espionagem levadas a cabo pela agência norte-americana NSA no país. Brigar contra o “gigante imperialista” é tudo o que uma administração pretensamente de esquerda mais quer. Dá votos e ibope entre seus eleitores cegados por ideologia. Mas se se preocupa tanto com a segurança nacional e se diz tão precavido contra as ingerências indevidas, por que a gestão petista dá tão pouca atenção a suas ações de inteligência? A execução do orçamento da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) revela o pouco caso do governo com nossos arapongas. Da dotação da Abin para este ano, somente 11% destinam-se a ações de inteligência. Quase a totalidade (87%) dos R$ 513 milhões de seu orçamento serve para pagar pessoal, encargos, aposentadorias e pensões, de acordo com a ONG Contas Abertas. Mesmo assim, apenas uma fração do dinheiro é efetivamente empregada. Em 2011, as ações de “inteligência federal” da Abin dispuseram de R$ 370 milhões, segundo o Siafi. Mas apenas 12% deste valor foi utilizado até hoje, já considerados os restos a pagar. Em 2012, a dotação para esta rubrica caiu a R$ 9 milhões, dos quais 44% foram usados até agora. Em 2013, não há dotação específica para ações de inteligência. Além da pí­fia execução orçamentária, o marco institucional de prevenção contra ações de espionagem no Brasil também não existe. Desde novembro de 2010, o projeto de Política Nacional de Inteligência, que cria diretrizes para o Estado brasileiro se prevenir de bisbilhotices, está prontinho, mas parado no Planalto. “Dilma faria melhor se buscasse equipar o Brasil contra ataques cibernéticos. A presidente faz o oposto. (…) É mais fácil ler um discurso feito pelo marqueteiro no teleprompter na ONU do que trabalhar duro em casa”, comenta Fernando Rodrigues hoje na Folha de S.Paulo. Depois que Dilma cancelou sua visita de Estado a Washington e passou a se preparar para o discurso duro que ontem proferiu em Nova York, o país já teve oportunidade de demonstrar efetivamente sua preocupação com a espionagem e os ataques cibernéticos. Foi na sexta-feira passada, quando uma reunião da cúpula de direitos humanos da ONU discutiu o assunto em Genebra. Pois não é que nossa operosa diplomacia se fez representar no colóquio por intermédio de um diplomata de segundo escalão que depois se fez substituir por uma estagiária? “Nas duas horas de reunião a delegação brasileira não pediu a palavra uma só vez e a estagiária se limitou a tomar nota do que dizia cada um dos participantes”, revelou O Estado de S.Paulo no sábado. Enquanto isso, na mesma hora a embaixadora do Brasil na ONU promovia um almoço para sua despedida do cargo… A mesma incúria se nota nas ações do governo brasileiro em relação à criação de um instrumento internacional para governança e uso da internet, outra das propostas levantadas por Dilma na ONU ontem. Existe um fórum global para tratar do tema, a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação (ou WSIS, na sigla em inglês), mas em dez anos o Brasil jamais formalizou qualquer proposta a respeito, relata o Valor Econômico. Ações de defesa cibernética também são desprezadas pelo governo brasileiro, quando observadas pela ótica da execução orçamentária. Dos R$ 90 milhões previstos neste ano para tal finalidade, somente 16% foram gastos até agora. Pior é que a proposta orçamentária para 2014 prevê reduzir a dotação para tais iniciativas: o valor deve cair para R$ 70 milhões, segundo o Contas Abertas. Resta claro que o que mais interessava à presidente ontem na ONU era o gesto, a demonstração de desagrado em relação à afronta patrocinada pelo governo americano. Era, mais que isso, transformar aquela nobre tribuna em palanque. Mas suas palavras diferem tanto de sua prática que Barack Obama e seu estafe sequer se deram o trabalho de ouvir o que Dilma Rousseff dizia… Seria melhor para o país que o governo brasileiro falasse menos e agisse mais.

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