De recuo em recuo

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Diante do estado de calamidade em que estão as contas públicas, a batalha pelo ajuste de gastos apresenta-se duríssima e será preciso disposição redobrada para vencê-la. Não é, infelizmente, o que o governo tem demonstrado, a julgar pelo que vem acontecendo na renegociação da dívida dos estados.
Na madrugada de quarta-feira, mais uma vez, o projeto que abranda as condições e expande por 20 anos o prazo para que os governos estaduais paguem suas dívidas foi desidratado na Câmara. Desta vez, caiu a proibição para que os governadores concedam, pelo período de dois anos, reajustes salariais ao funcionalismo e brequem novas contratações. Sobrou agora apenas o teto de gastos.
A decisão, por todas as manifestações que se seguiram à votação, conseguiu agradar apenas a um seguimento: o do funcionalismo público. De resto, é unânime a convicção de que o país perde com as regras mais frouxas que prevaleceram dos debates entre os deputados.
A imposição de um limite à expansão global das despesas, restrita à variação da inflação, é importantíssima, mas bastante insuficiente. O teto estabelecerá as condições de contorno, mas elas serão frágeis se os estados não puderem dispor de instrumentos e medidas específicas para fazer valer a nova regra. Sem estes elementos, o teto pode tornar-se apenas o limite de um conjunto vazio.
O governo sustenta que a imposição do teto, aprovada pelos deputados, é vitória maiúscula e o resto é “acessório”. Toda vez que foi forçado a um recuo diante de medidas corretas que tentou implementar nestes três meses de gestão, o argumento repetiu-se. É de se perguntar o que, afinal, o governo considera realmente essencial para consertar o país.
O governo tem a simpatia da maioria da população e o apoio de uma parte relevante e sólida do Congresso para levar adiante as medidas necessárias que é preciso tomar para repor o país nos trilhos, depois de mais de uma década de descalabro nas mãos do PT. Contudo, sempre que é chamado a dar o combate parece recuar de suas convicções. É preciso fazer diferente e ir até o fim na luta.
Mirar o controle dos gastos com pessoal – e por um período, convenhamos, mínimo, de apenas dois anos – é a maneira mais efetiva de estancar a sangria nas contas estaduais. A medida tem o condão de atingir os assalariados mais protegidos com capacidade de abrir caminho para que os que mais sofrem com a recessão – os mais de 11 milhões de brasileiros desempregados – se beneficiem do ajuste, dada a perspectiva de retomada da confiança e do crescimento do país que o controle dos gastos gera.
Quanto mais alguns grupos específicos obtiverem sucesso em manter seus salários em alta, mais outros setores terão de pagar a conta: a saúde, a educação, a segurança e os já anêmicos investimentos públicos. Em suma, preservam-se uns poucos, perde toda a sociedade brasileira.
Cada concessão ofertada – que, uma vez conferida, perdura por décadas – tumultua um pouco mais o caminho para que o país supere a crise. Cada retrocesso retira um pouco de credibilidade e mina a confiança na capacidade do governo de propor e votar as muitas matérias necessárias para que o país saia da crise, e o quanto antes melhor.
O que o governo do presidente Michel Temer precisa é definir qual combate quer travar, aferrar-se à necessidade imperativa de reconstituir as finanças públicas do país – sem o que qualquer recuperação será mera miragem – e fazer valer a todo custo suas convicções. Terá apoio para isso. Do contrário, de recuo em recuo, daqui a pouco se verá de costas para a parede, sem ter mais como agir.

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