
Tributação em números
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A reforma tributária tem sido apregoada como o principal instrumento para reequilibrar o chamado pacto federativo. Consta que seu principal objetivo é promover a descentralização de receitas da União para Estados e municÃpios. Mas as evidências disponÃveis mostram que do ponto de vista tributário o Brasil é o paÃs federativo mais descentralizado do mundo! Essa posição, boa ou ruim, foi consequência direta do pacto social e polÃtico que esteve por trás da Assembleia Nacional Constituinte de 1988.
Os números são inquestionáveis. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Estados e municÃpios brasileiros se apropriam de 56,4% da arrecadação interna de impostos. Em média, essa participação é de 30,9% nos paÃses federados situados em nossa faixa de renda e de 49,5% entre os mais ricos.
A esses dados poderÃamos acrescentar: mais de 53% dos impostos federais no Brasil retornam aos Estados e municÃpios em benefÃcios previdenciários e assistenciais, abono salarial ou seguro-desemprego. Ou seja, outros 23% da arrecadação total se somam aos recursos destinados diretamente a essas esferas da Federação, o que produz uma descentralização de 79,5% das receitas totais. A maior do mundo!
Diante dos números disponÃveis, torna-se difÃcil acreditar que estejamos sofrendo um agudo desequilÃbrio no pacto federativo, ao contrário do que tem sido sempre alardeado. De fato, o pacto prevalecente representa uma conquista da sociedade brasileira que precisa ser preservada.
Isso exige múltiplos esforços. Na Federação brasileira ainda proliferam casos de dependência e irresponsabilidade fiscal. Nosso paÃs continua desigual e tem sofrido alguma piora em indicadores relevantes, como o Ãndice de concentração de renda.
Note-se que uma descentralização adicional de receitas sem condicionantes adequados pode criar ineficiências que corrompem a qualidade do gasto público e a própria autonomia dos entes federativos. Alguns indicadores a esse respeito são a baixa arrecadação municipal nas bases do IPTU e do ISS e a ociosidade de recursos destinados a projetos especÃficos, inclusive de emendas parlamentares.
Ou seja, alguns Estados e municÃpios parecem estar abdicando de exercer bem a competência de tributar e de executar investimentos, ambos fundamentais para sua plena autonomia. Ao contrário, estão dando prioridade a gastos correntes custeados majoritariamente pelas transferências que recebem da União, ampliando a dependência desses recursos.
Essa dependência crescente se inscreve no contexto de uma elevada irresponsabilidade fiscal, que veio à tona com a grave recessão, evidenciada por folhas de pagamento inchadas e má qualidade dos serviços públicos. Tal cenário criou um ambiente polÃtico-institucional propÃcio ao socorro de Estados e municÃpios pela União, sobretudo em momentos de queda de arrecadação e das respectivas transferências. E vai se criando um cÃrculo vicioso de dependência e indulgência em relação à irresponsabilidade fiscal.
O aumento das desigualdades também preocupa. Após longa recessão, o Brasil superou a Ãfrica do Sul como o mais desigual dos paÃses que abrigam as 20 maiores economias, de acordo com o Ãndice de Gini. Nosso sistema tributário reforça esse quadro em razão de sua alta regressividade.
As pessoas mais pobres são as que gastam a maior parte da renda em impostos elevados que incidem em alimentos, energia elétrica, gás, medicamentos, telefonia e transporte.
Já as “reformas†propostas, em vez de enfrentarem a regressividade, fazem o oposto: aumentam a carga tributária sobre alimentos e serviços básicos, que afetam a todos. Há quem diga que esse aumento é mais relevante sobre a classe média, consumidora de serviços, mas esquecem que os serviços são a principal fonte de renda para as classes mais pobres e regiões menos desenvolvidas, que sofrerão desproporcionalmente com a queda da demanda e, logo, da renda.
Do ponto de vista federativo, as “reformas†alardeadas também representam retrocesso. Por concepção, impedem que os entes federativos promovam polÃticas de desenvolvimento ou de estÃmulo a seus mercados via tributos, minando sua autonomia para concorrer e se autodeterminar preconizada na Carta.
Essa visão mÃope, de defender o aumento da produtividade apenas do ponto de vista de cadeias produtivas, desconsidera a enorme ociosidade presente na economia, especialmente humana, e o amplo potencial de desenvolvimento regional.
Sob a ótica da otimização econômica, seria muito mais eficiente ocupar o capital humano e desenvolver o potencial das regiões, multiplicando as externalidades positivas e difusas, do que concentrar-se em otimizar localmente cadeias produtivas já estabelecidas.
Reconhecendo esse desequilÃbrio regional e social, que seria mantido e até estimulado, as “reformas†encarregam o Congresso de promover as ações polÃticas “mitigadorasâ€, em especial a ampliação das já robustas transferências e equalizações regionais.
Ora, isso fomentaria as ineficiências e a irresponsabilidade fiscal nos federativos, além de ampliar a dependência destes com a União, perpetuando o cÃrculo vicioso. EstarÃamos reforçando os traços do colonialismo centenário, em que a União manteria e ampliaria o status quo, representado por regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas, todos inseridos numa espiral de dependência e irresponsabilidade fiscal que seguiria deteriorando toda a Federação.
E as regiões subdesenvolvidas se manteriam dependentes de equalizações definidas na arena polÃtica do Congresso, mas sem poderem – ou mesmo quererem – concorrer e produzir plenamente. Assim, privarÃamos essas localidades da autonomia e dos incentivos necessários para se desenvolverem, no esplendor de produzirem o próprio sustento e se libertarem.
(*)Â Senador pelo PSDB-SP
Artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 12/09/2019
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