“Segurança econômica e reindustrialização”, por José Serra
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A fragilidade de nossa segurança econômica é uma ameaça que vem somar-se às crises que já afligem nosso país. Infelizmente, essa insegurança ainda não é bem compreendida pelos responsáveis por nossas relações externas. A noção de segurança econômica é hoje empregada por governos e grandes investidores que procuram se defender da instabilidade econômica da China. Dado seu papel central na economia mundial, os efeitos combinados da guerra na Ucrânia e da pandemia sobre a China agravaram as rupturas nas cadeias globais de produção e de valor.
Os eventos adversos que atingem a economia chinesa afetam o equilíbrio de fornecedores e consumidores de insumos que dependem desse país. Desde o início da pandemia, os chineses enfrentam os efeitos mútuos de uma política autoritária e controversa de combate ao vírus, da insatisfação social e política da população mais jovem e mais educada e de efeitos disruptivos no setor produtivo, que limitam sua capacidade para continuar ocupando o espaço central de sua indústria na economia global.
Esses efeitos se fazem sentir pela falta de insumos de toda natureza, que afeta e pode paralisar todo um setor industrial, agropecuário ou de serviços. Soma-se a isso a desorganização do setor de combustíveis fósseis, que provoca escassez e aumento de custos e dá margem a chantagens e boicotes. Assim sendo, as economias mais avançadas – que sofrem mais diretamente os efeitos da crise chinesa – reagem em busca de melhor entender a natureza dos problemas por ela colocados e de encontrar alternativas para sua dependência da economia chinesa.
Desde que os primeiros efeitos da globalização provocaram disrupções no sistema de comércio internacional, os países mais rapidamente afetados começaram a estudar a natureza do novo fenômeno, seu impacto sobre o comércio exterior e as políticas de defesa comercial capazes de evitar ou limitar seus efeitos. No governo Bill Clinton, os resultados desses estudos, ainda de natureza acadêmica, acabaram levando à criação de uma outra forma de assessoramento econômico da Casa Branca. Clinton criou um Conselho Nacional de Economia, paralelamente ao Conselho de Segurança Nacional – o principal órgão de assessoramento do presidente em questões de política externa e de segurança estratégica.
As principais economias do mundo seguiram um modelo semelhante de assessoramento direto do presidente ou do primeiro-ministro, que não somente propõe a adoção de políticas, mas, sobretudo, monitora ameaças à segurança externa e sugere, ao chefe do Executivo, decisões específicas em casos emergenciais. Não se trata do modelo brasileiro do “Conselhão” que permita ao presidente sentir o pulso da elite ou cooptar o empresariado, mas sim de think tanks governamentais, que reúnem especialistas com alto nível de experiência acadêmica, profissional e política, não necessariamente ligados ao partido do governo.
Agora, assistimos à criação de novos arranjos de assessoramento do Executivo em resposta às sequelas cruzadas da pandemia e da guerra na Ucrânia, sobretudo quanto a seu impacto sobre a estabilidade da economia chinesa e suas consequências sobre as cadeias globais de produção e de valor. Trata-se de novas forças-tarefa, da adoção de legislações específicas e, no caso do Japão, até de um novo cargo de ministro da Segurança Econômica – basicamente criados para exercer mecanismos de triagem do investimento em inovação nas cadeias de exportação e importação.
Parte-se do pressuposto de que qualquer país ou grupo de países que controle um punhado de inovações tecnológicas emergentes poderá obter imensas vantagens nas cadeias de comércio e investimento global. O papel das economias emergentes minimamente industrializadas, capazes de substituir parte relevante das funções de suprimento global, torna-se vital diante do risco decorrente da instabilidade da economia chinesa.
Relatório recente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) mostra que países como a Índia, a Indonésia ou o Vietnã, cujo desenvolvimento industrial vem-se firmando, estão se tornando altamente atraentes para o investimento proveniente de países de economia mais avançada, cujas posições nas cadeias de valor são mais relevantes. Não é o caso do Brasil. Teríamos muito a ganhar se pudéssemos tirar partido desta oportunidade para reverter o processo de desindustrialização ao qual nossa economia vem sendo relegada desde os governos petistas.
Embora a economia brasileira possa se beneficiar de sua posição na cadeia de segurança alimentar, nosso lugar, como fornecedores de commodities, nos deixa em posição subordinada nas cadeias de valor, que são controladas pelos países consumidores. A oportunidade para a indústria existe, mas dependeria de uma política de segurança econômica, que propiciasse a estabilização da economia e desse prioridade aos investimentos e à predominância de gastos em políticas comprovadamente eficientes, enfim, tudo o que se deve esperar de um próximo governo em real sincronia com as expectativas dos eleitores.
(*) Senador pelo PSDB-SP
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 27/05/2022