
“Precatórios, polÃtica fiscal e direitos do cidadão”, poMarcus Pestana
Publicado em:
Da presente crise multifacetada emergem as verdadeiras preocupações da população brasileira. O interesse do cidadão está preso à vacinação ainda morosa, ao desemprego em nÃveis alarmantes, à miséria e a fome agravadas pela pandemia e aos passivos que ficarão como a interrupção do processo educacional de crianças e jovens pobres.
A questão fiscal tem tudo a ver com essas demandas sociais. O orçamento público explicita as formas de arrecadação das receitas através dos tributos e o perfil do gasto público. Isto é central na democracia. A democracia e o orçamento público nasceram juntos como uma forma de dar transparência e previsibilidade no financiamento das atividades do Estado.
Há muito, o Brasil enfrenta uma profunda crise fiscal. O Estado se agigantou e os déficits se acumularam com seus conhecidos impactos. Como não conseguimos produzir uma verdadeira reforma do Estado e de sua organização administrativa, vamos, de soluço em soluço, adotando gambiarras para equacionar o desiquilÃbrio das contas do governo. Neste cenário, os investimentos são pÃfios, a qualidade do gasto e das polÃticas públicas é comprometida e o retorno para a sociedade que paga impostos cada vez menor.
O atual governo acenava com uma polÃtica liberal de redução da máquina estatal, promoção das reformas administrativa e tributária e responsabilidade fiscal. Mas o discurso inicial foi abandonado e restou uma percepção clara de falta de rumos. A reforma tributária transformou-se num projeto de lei de aumento do Imposto de Renda, que não resolve nenhum dos problemas essenciais e cria novas distorções.
Sem conseguir promover reformas estruturantes na tributação e no gasto e pressionado a expandir despesas em ano eleitoral, propôs ao Congresso Nacional a PEC 23/2021, a PEC dos Precatórios, que abala ainda mais a credibilidade de nossa polÃtica fiscal, promovendo um verdadeiro calote disfarçado em direitos lÃquidos e certos de cidadãos brasileiros. Os precatórios são a materialização de dÃvidas do Estado com empresas e pessoas obtidas por decisões judiciais irreversÃveis. A PEC dos Precatórios propõe o pagamento à vista de precatórios de pequeno valor e o parcelamento em 10 anos dos demais.
Vou contar um caso familiar para exemplificar o absurdo da proposta. Meu pai tinha uma fazenda com uma pequena produção de café, em Espera Feliz, na fronteira de Minas Gerais com o EspÃrito Santo, na divisa do Parque Nacional do Caparaó. Cuidava com carinho da terra, prevenia incêndios, protegia a mata e as cachoeiras. Em 1998, o IBAMA resolveu desapropria-la unilateralmente. Em 2002, foi dada entrada em processo judicial discutindo o valor da desapropriação e o IBAMA tomou posse do imóvel. Meu pai faleceu em 2008. O processo percorreu a maratona judicial de 20 anos, inclusive chicanas jurÃdicas como o recurso do IBAMA ao STF, sendo que todos sabiam que não era matéria constitucional. Hoje a fazenda transformou-se num matagal descuidado e o precatório deve finalmente sair. Quando sair, 23 anos depois da desapropriação, o direito lÃquido e certo assegurado pelo poder judiciário será objeto de um parcelamento em 10 anos. Milhares de brasileiros financiarão o espaço fiscal para novos gastos de um Estado voraz e perdulário.
Já passa da hora no Brasil de repensarmos as relações entre Estado e sociedade.
(*) Economista e consultor do ITV, foi deputado federal pelo PSDB-MG
Ponto de vista
Últimas postagens
Artigos


“A democracia representativa não será demolida”, por José Serra
Leia mais >
“O papel do PSDB é servir ao paÃs”, por Bruno Araújo
Leia mais >
“A Geleia Geral brasileira e o longo caminho pela frente”, por Marcus Pestana
Leia mais >
“A repetição de erros pelo PT”, por Marcus Pestana
Leia mais >