Parlamentarismo branco, progn贸stico cinzento

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A maioria dos estudiosos da pol铆tica brasileira assume a hip贸tese seminal de S茅rgio Abranches de que a forma de governo vigente no Brasil 茅 o “presidencialismo de coaliz茫o”. Esse arranjo n茫o se deu por acaso, mas responde a certas caracter铆sticas estruturais da pol铆tica brasileira e, mais ainda, de nossa forma莽茫o hist贸rica e social: o presidencialismo, o federalismo, o bicameralismo, o multipartidarismo e a representa莽茫o proporcional. Tudo combinado!

Embora a defini莽茫o utilizada pelos estudiosos possa variar em rela莽茫o 脿 original, h谩 um elemento constante nas v谩rias interpreta莽玫es. Diante da fragmenta莽茫o partid谩ria derivada de nosso processo eleitoral, os presidentes eleitos n茫o disp玫em de base parlamentar “autom谩tica” com a qual possam implementar suas propostas de governo. A forma de garantir a governabilidade seria a forma莽茫o de coaliz玫es amplas – em geral pouco consistentes ideologicamente. Apesar dessa inconsist锚ncia, elas seriam capazes de sustentar o governo e, talvez, lhe permitir alguma dire莽茫o program谩tica, sem a qual a pr贸pria coaliz茫o n茫o sobreviveria.

Na verdade, o presidencialismo de coaliz茫o 茅 um diagn贸stico sobre a insufici锚ncia de nossas institui莽玫es pol铆ticas. Trata-se de reconhecer uma circunst芒ncia indesejada, mas de grande peso na nossa trajet贸ria pol铆tica e na nossa forma莽茫o como sociedade.

Tirar o Pa铆s da conting锚ncia do presidencialismo de coaliz茫o requer esfor莽o pol铆tico enorme para alterar as pr谩ticas e cren莽as mais enraizadas de nossa vida p煤blica. Adotar o parlamentarismo cl谩ssico seria um dos desafios para a supera莽茫o desse modelo. Outro tipo de a莽茫o seria aperfei莽oar nosso debilitante sistema eleitoral, que, a cada elei莽茫o, fragmenta adicionalmente o Congresso e torna cada vez mais penosa a composi莽茫o de maioria parlamentar.

Tenho lutado pela remo莽茫o destes entraves hist贸ricos: o presidencialismo e a elei莽玫es proporcionais no modelo atual. Defendo substitu铆-los por um parlamentarismo respons谩vel, estruturado sobre bases partid谩rias que resultem do voto distrital misto. Este sistema envolve regra proporcional, mas que, diferentemente do atual, privilegia a maior representatividade e induz 脿 forma莽茫o de maiorias program谩ticas, sem impedir a presen莽a parlamentar de minorias relevantes.

Na presente conjuntura, percebe-se que o poder do presidente tem sofrido eros茫o adicional, o que d谩 forma a uma esp茅cie de parlamentarismo de fato, mas que n茫o aumenta a responsabiliza莽茫o do Congresso, na medida em que crises e impasses n茫o p玫em em risco os mandatos dos parlamentares, caracter铆stica essencial de um parlamentarismo consequente. A resultante 茅 o conflito permanente, uma esp茅cie de “presidencialismo de colis茫o”!

Desde a redemocratiza莽茫o, considera-se que o presidente da Rep煤blica, embora com dificuldades para a forma莽茫o de maiorias, det茅m importantes recursos pol铆ticos que lhe garantem grande peso na agenda do Congresso. A prerrogativa de editar medidas provis贸rias (MPs) e de nomear cargos p煤blicos, o poder de veto, o rol de iniciativas privativas do chefe do Executivo e o poder de libera莽茫o de emendas or莽ament谩rias comporiam, por assim dizer, o arsenal do Executivo para disciplinar a fragmenta莽茫o partid谩ria.

No entanto, por motivos v谩rios, esses instrumentos de controle est茫o sendo enfraquecidos ou simplesmente eliminados.

Veja-se, por exemplo, a frequ锚ncia crescente com que vetos presidenciais v锚m sendo derrubados. At茅 o primeiro mandato de Dilma Rousseff, a derrubada de vetos era tabu. A simples amea莽a de derrubada levava a dura resposta do Executivo. O resultado 茅 que pouqu铆ssimos vetos foram derrubados desde 1988 at茅 2015. De 2016 para c谩, tudo mudou. Apenas na pen煤ltima sess茫o do Congresso, nada menos que 41 dispositivos foram rejeitados.

Al茅m disso, vem aumentando a frequ锚ncia de emendas constitucionais (EC), sobre as quais o poder de veto n茫o incide. De 1989 a 2008, foram promulgadas 57 ECs, m茅dia de 2,9 por ano (sem contar as emendas de revis茫o); de 2009 a 2017, foram promulgadas 42 ECs, m茅dia de 4,7 por ano. Isso sem contar a EC do or莽amento impositivo, j谩 aprovada e na bica de ser promulgada, que enfraquecer谩 um dos elementos de controle do Executivo: a libera莽茫o de emendas parlamentares.

A mesma tend锚ncia de redu莽茫o do poder presidencial se v锚 na proposta de emenda que tramita com boas chances no Congresso e que pretende limitar a cinco o n煤mero de MPs por ano.

Tudo somado, estamos assistindo 脿 constru莽茫o de um novo sistema de governo: um parlamentarismo branco, desorganizado. Trata-se de um desdobramento indesej谩vel. As mudan莽as que o Congresso tem conseguido impor elevam seu poder como corpora莽茫o, mas est茫o longe de organiz谩-lo como f贸rum bem qualificado de decis茫o e encaminhamento das pautas majorit谩rias na sociedade. Um Congresso mais poderoso em suas atribui莽玫es, mas crescentemente fragmentado, n茫o ser谩 capaz de gerar os dif铆ceis consensos que a grave situa莽茫o econ么mica exige.

Uma consequ锚ncia poder谩 ser o aumento do conflito entre os poderes – o presidencialismo de colis茫o – sem que haja alternativa de dissolu莽茫o do Parlamento, seguida por uma nova composi莽茫o capaz de seguir um programa majorit谩rio.
Al茅m disso, o elevado grau de conflito sem mecanismos de solu莽茫o de impasses tende a ampliar a chamada judicializa莽茫o da pol铆tica, fen么meno pelo qual as quest玫es mais complexas e controversas deixam de ser resolvidas politicamente e passam 脿 esfera de decis茫o do Judici谩rio, erigido 脿 condi莽茫o de poder moderador. Um resultado tamb茅m indesejado.

Precisamos de um parlamentarismo de verdade, capaz de formar maiorias s贸lidas oriundas do voto distrital misto. Com esfor莽o, poderemos fazer no segundo semestre de 2019 esta verdadeira revolu莽茫o pol铆tica, que prevaleceria j谩 nas elei莽玫es de 2022 e passaria a valer em sua plenitude a partir de 2023.

(*) Senador pelo PSDB-SP

Artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 13/06/2019

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