“Pandemia no Brasil: números e sequelas”, por Marcus Pestana
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O Brasil chegou às 500 mil vidas perdidas. São 12,9% das mortes em todo o mundo, número totalmente desproporcional aos 2,7% da população global que representamos. Nunca é demais repetir, não são estatísticas frias, e sim pessoas e famílias duramente afetadas pela pandemia em nosso país.
Mas quando parece que as polêmicas inúteis estão afastadas, novos temas afastam a opinião público do essencial. A mais recente, levantada por um estranho parecer não oficial de um auditor do TCU, introduzido furtivamente no sistema da instituição, levanta absurda tese sobre a veracidade dos números e a possível supernotificação. O pior é que a informação improcedente foi repercutida pelo Presidente da República.
O sistema de informações epidemiológicas sempre foi central para o correto planejamento das ações. O SUS é rico em bancos de dados. A confiabilidade dos dados é fundamental para a credibilidade, transparência e eficiência na produção das políticas públicas de saúde. Um dos indicadores mais importantes é a estatística anual do perfil das causas de mortalidade.
Estudos realizados pelo CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde – e pela revista THE ECONOMIST desmentem o misterioso e inexplicável relatório do auditor do TCU, que inclusive já foi afastado de suas funções.
O estudo do CONASS trabalha com as mortes naturais, excluindo as causas externas (acidentes de trânsito, crimes, suicídios, etc.), analisando os dados de mortes em 2020. Há um excesso de mortes (acima da progressão normal da série histórica) de 275.587 mil mortes para um total de 194.976 mortes atribuídas à COVID-19. Não há nenhum fator novo, exceto a pandemia, que poderia explicar essas 80.611 mortes. É um sintoma concreto de subnotificação e não de supernotificação.
Confirmando o estudo do CONASS, a THE ECONOMIST trabalha com o número de mortes totais (incluindo as por causas externas) de abril de 2020 a abril de 2021. E aponta um excesso de mortes 6,2% acima das diagnosticadas como derivadas da COVID-19. Qual a vantagem em desacreditar os números oficiais do sistema de saúde?
Se não bastasse isso, a exótica polêmica sobre a cloroquina e o tratamento precoce permanece de pé. Leigos e sectários acreditarem em fake news ainda é compreensível. Mas médicos, não. Nenhum país sério está discutindo isto. Por que o Brasil insiste?
A vacinação, único caminho para a superação da pandemia, evoluí lentamente. E não é problema operacional. O Brasil foi sempre modelo mundial de imunização. Temos 51 mil equipes de saúde da família espalhadas em todo o Brasil que poderiam vacinar 3 milhões de brasileiros por dia. O problema foi o atraso na compra das vacinas.
Mas, duas sequelas graves estão ficando desapercebidas. Primeiro, a deterioração na distribuição de renda. Estudo da FGV/Social comparou o Índice de Gini (que mede a concentração de renda) dos primeiros trimestres de 2020 e 2021. Em 2020, era de 0,642 (quanto mais próximo de 1, maior é a concentração). Em 2021, bateu nos 0,674, maior índice da série iniciada em 2012. A renda por habitante caiu 11,3%, de R$ 1.122,00 para R$ 995,00. A desigualdade aumentou durante a pandemia.
Outro legado negativo é a interrupção do processo de aprendizado das crianças e jovens pobres que não têm internet de qualidade. Pode ser um dano irreversível e grave.
(*) Economista e consultor do ITV, foi deputado federal pelo PSDB-MG