Outra década perdida?
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Tudo leva a crer que o ano de 2019 fechará mais uma “década perdida”, numa frustrante repetição do que ocorreu nos anos 1980. A expressão, na verdade um tanto exagerada e catastrofista, foi cunhada com relação à queles anos, quando a economia brasileira, até então invejada por sua pujança, tropeçou no desequilÃbrio externo e na superinflação, exibindo um crescimento medÃocre do PIB, muito distante do ritmo do pós-guerra: cerca de 17% em dez anos. A presente década pode terminar sendo, em matéria de dinamismo econômico, pior do que aquela.
É bem verdade, porém, que a “década perdida”, numa perspectiva econômica, é um tanto injusta com o Brasil dos anos 80. Dado o crescimento rápido verificado no após guerra – e em parte devido à s suas lacunas -, grandes problemas foram se acumulando, sintetizados na inflação galopante e no desequilÃbrio externo, marcas da nossa transição de economia agrÃcola para industrial no historicamente curto espaço de 50 anos. Metrópoles expandiram-se com infraestrutura deficiente e a oferta agrÃcola não acompanhava a demanda crescente. Ademais, a população padecia de nÃveis muito baixos de instrução e pouco acesso à saúde.
Como é sabido, o modelo de desenvolvimento por substituição de importações que prevaleceu no pós-guerra, associado à urbanização rápida e à lenta modernização da agricultura, produziu uma economia concentrada, protegida da competição externa e menos propensa à inovação, e por isso mesmo sujeita a fortes pressões inflacionárias. A essas pressões estruturais se sobrepôs um relaxamento fiscal que decorreu de nossa complexa redemocratização, cujo momento crÃtico foi a Assembleia Nacional Constituinte.
A nova Carta trouxe-nos um federalismo mal calibrado e pouco consequente do ponto de vista fiscal, com a complicação suplementar de ter consolidado um corporativismo indomável e “de luta” no serviço público – que por bom tempo conseguiu passar-se por “defesa dos trabalhadores”. A fome juntou-se à vontade de comer e, unidas, confluÃram num arranjo polÃtico fiscalmente precário, por mais que alguns governantes, aqui e ali, tenham tentado retirar a água do convés com pequenos baldes.
O Plano Real representou a grande guinada, ao controlar a superinflação aberta que se arrastara até 1994, por meio de uma engenhosa regra de desindexação. Logo após, outra grande obra polÃtica de Fernando Henrique Cardoso foi realizada: a renegociação das dÃvidas dos Estados e municÃpios, que garantiu a geração de superávits primários nos entes subnacionais e praticamente extinguiu os bancos estaduais, verdadeiras usinas de inflação.
Ainda assim, o Brasil pós-década de 80 não foi capaz de sustentar um regime fiscal conducente à estabilidade com crescimento. Nossas taxas de juros sempre foram muito elevadas, deprimindo o investimento e onerando as contas públicas. E a partir do segundo governo Lula houve um grande relaxamento fiscal.
Nesse percurso de tropeços das contas públicas foram feitas várias tentativas de controle pela edição de novas regras fiscais. O exemplo mais importante foi a Lei de Responsabilidade Fiscal, que cumpriu importante papel, apesar que vários de seus dispositivos terem sido interpretados de forma equivocada, como no caso de se permitir que em Estados e municÃpios parcelas importantes dos gastos com aposentados e despesas de pessoal não fossem computadas na apuração do porcentual máximo de 60% de gastos com o funcionalismo. Vários Estados continuam até hoje formalmente enquadrados nessa regra, mesmo sem conseguir manter a folha em dia. Surreal! O Brasil é bom para criar regras fiscais – e melhor ainda para driblá-las.
A possibilidade de desagregação fiscal nos governos subnacionais ainda representa uma grande ameaça. Se não for contida, não só continuará tolhendo o crescimento econômico, como poderá ressuscitar a inflação. Por trás de tudo isso está o nosso sistema polÃtico disfuncional e fragmentado.
As dificuldades que se insinuam para a reforma da Previdência nada mais são do que um sintoma dessa doença do nosso corpo polÃtico. O Congresso tornou-se uma federação de quase 30 partidos, nenhum deles em condições de liderar uma maioria apta a implantar o que deseja a sociedade: um Estado saneado e apto gerencialmente a entregar serviços de qualidade em educação, saúde e segurança. Ao contrário, o atual sistema polÃtico não forma maiorias programáticas, é implacável em opor vetos e está continuamente dando lugar à expansão de gastos.
A dinâmica formal do Congresso revela essa disfunção. Como existem numerosos partidos, cada qual com seus lÃderes, um simples encaminhamento de voto toma longas horas, à s vezes dias. Um partido pequeno pode entremear esse suplÃcio com questões de ordem variadas e, assim, obstruir votações.
Os presidentes das Casas e das comissões têm de recorrer a acordos prévios com todas as lideranças para que as votações sejam concluÃdas. O risco, obviamente, é a diluição de todas as propostas votadas quando a questão é controversa. As exceções são os momentos em que a votação contempla o interesse geral dos parlamentares, como no caso da aprovação em tempo recorde da emenda do orçamento impositivo. Aliás, se prevalecer a redação atual, o pouco poder de barganha que restou ao Executivo será obliterado.
O presidencialismo é condenado por essa fragmentação, que só tende a aumentar. A solução para nossos problemas econômicos exige, ao menos como condição para se tornar politicamente viável, a adoção de um novo sistema eleitoral e um outro sistema de governo: o voto distrital misto e o parlamentarismo. Com eles, abrimos a possibilidade de os próximos anos se inscreverem numa década ganha, em vez de mais uma vez perdida. Como e o porquê é um tema para próximos artigos.
(*) Senador pelo PSDB-SP
Artigo publicado no jornal “O Estado de S. Paulo”, em 25/04/2019