“O gambito da Rainha”, por Marcus Pestana
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As séries veiculadas pelas plataformas de streaming viraram verdadeira febre. Entre tantas opções de sucesso como “A Casa de Papel†ou “The Crownâ€, uma recentemente se destacou: “O Gambito da Rainhaâ€. Já se tornou a série mais assistida da história da Netflix. Ao mergulhar no milenar e complexo universo do xadrez, através da trajetória de Elizabeth Harmon, a jovem órfã e brilhante enxadrista, evoca a arte de traçar estratégias, ativar manobras, montar artimanhas para vencer o adversário. Às vezes entregando uma de suas próprias peças.
Sempre associei a polÃtica ao xadrez. A verdadeira polÃtica deve ter a sutileza, a astúcia e a inteligência do xadrez. Infelizmente, ela tem se assemelhado mais a uma luta de UFC ou a uma partida de rúgbi.
Entramos em 2021 com a polÃtica brasileira dividida entre quatro grandes campos: o bolsonarista, o do “centrãoâ€, o polo democrático e a esquerda.
O bolsonarismo galvanizou nas últimas eleições presidenciais a rejeição à chamada “velha polÃtica†tradicional. Cacifado pelo voto popular, abriu mão do “presidencialismo de coalização†e tentou governar sem maioria parlamentar e através de uma polÃtica de confrontação com o Congresso e o STF. Agora, tendo jogado o lavajatismo ao mar, e preocupado com a instabilidade polÃtica excessiva, o bolsonarismo tenta dar um freio de arrumação tecendo aliança polÃtica com o que há de mais representativo da mesma “velha polÃtica†tão condenada em 2018. O gambito da rainha de Bolsonaro seria sacrificar o discurso renovador para derrotar a oposição democrática e de esquerda.
O “centrão†é formado por um conjunto de partidos que têm historicamente postura pragmática, patrimonialista e não ideológica. Funcionam como um pêndulo de governabilidade. Podem servir a governos dÃspares como os de Sarney, FHC, Lula, Dilma, Temer ou Bolsonaro, desde de que tenham acesso a verbas, cargos e espaços polÃticos. Aproveitam a fragilidade do governo Bolsonaro para recuperar espaços perdidos.
O polo democrático formado pelo DEM, PSDB, MDB, Cidadania, entre outros, defende a agenda econômica modernizante, mas não se alinha aos arroubos autoritários do governo e defende radicalmente a democracia, suas instituições, o combate à s desigualdades e polÃticas alternativas nas relações exteriores, no meio ambiente, na educação, segurança e saúde. Liderado por Rodrigo Maia, tem sido o grande pilar da defesa da ordem constitucional e das reformas necessários. O seu gambito da rainha é a abertura de diálogo com a esquerda, sacrificando parte de sua base social, para manter a autonomia e o protagonismo do Congresso e seu papel de freio e contrapeso à s tentativas “iliberais†de retrocesso.
A esquerda, em rota descendente desde 2015, reaparece no vácuo deixado pelo governo. Tenta se reposicionar e ampliar seu campo de diálogo. O gambito da rainha das esquerdas é sacrificar um pouco de sua identidade e da narrativa do “golpe†de 2016 para reconstruir pontes e quem sabe angariar o apoio do centro democrático num possÃvel segundo turno de 2022.
Como os enxadristas sabem o gambito pode ser aceito ou recusado e os cenários de jogo são imprevisÃveis. Que o desfecho do xadrez polÃtico, que terá seu próximo lance nas eleições das Mesas da Câmara e do Senado, reafirme a vitória dos valores da liberdade, da democracia e do desenvolvimento social.
(*) Economista, foi deputado federal pelo PSDB-MG