“Modismos e estrangeirismos na pandemia”, por Marcus Pestana

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Quando este artigo for publicado, infelizmente já teremos perdido para a COVID-19 oitenta e cinco mil vidas brasileiras. É preciso que a sociedade brasileira amadureça uma reflexão sobre porque somos um ponto totalmente fora da curva. Afinal, temos 2,7% da população mundial e totalizamos 13,5% das mortes. Algo de muito errado aconteceu dentro de nossas fronteiras.

Neste momento dramático, a arte e o humor têm sido um refúgio para atenuar o sofrimento coletivo. Como não chorar de rir com Bruno Mazzeo e seu “Diário de um Confinadoâ€, ou com Marcelo Adnet e seu “Quarentena†ou ainda com a “Sala de Roteiro†de Antônio Prata, Fernando Meirelles e excepcional elenco? Como não se encantar com os shows virtuais de Milton Nascimento, Mônica Salmaso e tantos outros ou com a descoberta de novos talentos como Vanessa Moreno? Ou mesmo com a preguiça inteligente de Caetano Veloso em gravar a sua participação? Ainda bem que, no presente caso, a arte não imita a vida.

Tenho falado de assuntos áridos. Mas hoje resolvi compartilhar certo incômodo pessoal com os modismos e estrangeirismos destes tempos de pandemia.

Confesso que sinto certo frio na coluna quando ouço alguém falar sobre o “novo normalâ€. Mesmo as grandes rupturas históricas produziram mudanças imediatas no arranjo do poder ou na estruturação da economia. Mas quando falamos de mudanças comportamentais, sociais e culturais, o buraco é mais embaixo. Não estou convencido de que haverá um “novo normal†com pessoas mais solidárias e um mundo mais globalmente fraterno.

Os estrangeirismos também me incomodam. Não chego ao ponto de meu ex-colega na Câmara de Deputados, Aldo Rebelo, que apresentou o Projeto de Lei 1676/1999, visando à proteção e defesa do uso da Língua Portuguesa.

Certo dia estava sendo convidado para uma reunião virtual de trabalho e meu colega disse que me mandaria um “inviteâ€. Pedi que me enviasse um convite, porque apesar de meu “iPhone†e meu “iPad†serem projetados pela Apple nos EUA e fabricados na China, eram nacionalistas e só reconheceriam um convite e não um “inviteâ€. A reunião perderia certamente qualidade se não fosse realizada no “Microsoft Team†ou no “Gloogle Meetâ€, e sim no “Brasil Equipe†ou no “Encontro Verde e Amareloâ€.

Os shows – já um americanismo – programados pela internet estampam destacado “LIVE†com fulano de tal. Talvez perdessem charme e graça se fossem simplesmente “AO VIVOâ€.

Meu Flamengo foi campeão carioca de 2020 e assisti pela FLATV no “Youtubeâ€. Talvez fosse menos emocionante se fosse transmitido pelo “Você no Tuboâ€.

Com o isolamento social e o fechamento de bares e restaurantes tivemos que nos habituar a fazer pedidos pelo “iFood†ou pelo “UberEats†ou usar o redimensionado “Drive Thru†ou o “Take offâ€. Seria sem graça se fosse pelo “Através do carro†ou no digamos “Tirar no desligadoâ€. Até o “Drive In†em desuso foi ressuscitado, já que cinemas e teatros estão fechados.

E a proliferação de “Webnaresâ€. O brilho seria outro se fossem simples “Debates virtuaisâ€. E os “Dashboardsâ€, “Links†e “QR Codes†que invadiram nosso cotidiano. Isso sem falar no fantasma do “Lockdownâ€, o vírus teria menos medo se fosse um trivial “Confinamentoâ€.

Sou um apaixonado pela língua de Camões, Fernando Pessoa, Guimarães, Machado, Drummond e Chico Buarque. Será que ela terá espaço no “novo normal�

(*) Economista, foi deputado federal pelo PSDB-MG

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