“Cannabis medicinal e Covid”, por Mara Gabrilli

Publicado em:

Em 2020, quando tive a covid-19, dividi meu drama sobre as sequelas que a doença deixou em meu corpo. Passei meses num ciclo debilitante com fortes contrações no abdômen, como se estivesse carregando alguém. O peso no braço e nas pernas era tamanho que eu não conseguia pilotar a cadeira de rodas. As contrações também eram acompanhadas de muitas dores, que me geravam mais espasmos, os quais me geravam mais dores. Foi muito difícil me recuperar de tudo isso. E meu grande aliado nesse período de recuperação foi o óleo de CBD.

À época, ainda eram incipientes os estudos sobre os compostos presentes na cannabis e sua eficácia no tratamento da infecção pelo coronavírus. Hoje, no entanto, o panorama já é outro, com diversos estudos que vêm apontando evidências iniciais que colocam as substâncias da cannabis como potenciais aliadas contra o vírus e suas sequelas.

Para se ter uma ideia, segundo a Organização Mundial da Saúde, 1 em cada 10 pessoas que contraíram o vírus continua doente três meses depois dos primeiros sintomas. Fadiga, perda de memória e de concentração, fraqueza muscular, ansiedade e depressão são sequelas que afetam milhões de pessoas ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Pesquisadores já identificaram também danos neurológicos, psicológicos, pulmonares, imunológicos, renais, cardíacos, motores, entre muitos outros. E esse é um grande desafio para a saúde pública, que precisa estar em sinergia com o que a ciência vem mostrando.

Nesse sentido, confesso que fiquei muito animada em saber que um estudo realizado por pesquisadores de duas universidades americanas do Oregon e publicado no Journal of Nature Products já concluíram que dois compostos do cânhamo são capazes de impedir que o coronavírus penetre em células humanas.

Outras pesquisas também já apontaram que o THC e o CBD têm propriedades anti-inflamatórias, atuando em diferentes vias e em grande número de células para suprimir a inflamação da Covid, como se a cannabis atuasse como um guarda-chuva que nos protegesse da tempestade de citocinas liberadas na infecção do coronavírus.

Pacientes com quadros graves, que precisam de internação em UTI, tendem a apresentar níveis elevados de citocinas inflamatórias. E a cannabis poderia ser adicionada às terapias anti-inflamatórias para conter esse problema.

No meu caso, não fosse o óleo de CBD seria muito mais difícil controlar o desequilíbrio no humor, as dores persistentes, a sensação de fadiga e a perda de paladar e olfato, sem contar os lapsos de memória.

Não posso deixar de citar também que a ciência vem apontando caminhos não só para os afetados pelo vírus, mas também para os profissionais de saúde que atuaram na linha de frente da pandemia e apresentam hoje problemas de ordem psicológica, mental e emocional, como a depressão, a ansiedade e a síndrome de burnout.

Falamos de pessoas que chegaram à exaustão, pois sofreram – e sofrem – com o medo de levarem o vírus para casa e contaminar a família. Elas sofrem com a dor de ver pacientes morrendo e com a impotência pela falta de leitos e recursos hospitalares. Sem contar no cansaço pela rotina nos plantões.

Esse panorama alarmante foi objeto de estudo de uma pesquisa da Universidade de São Paulo, que avaliou o efeito do canabidiol em profissionais da saúde com essas condições. Os resultados apontaram uma redução de 60% nos sintomas de ansiedade, 50% nos de depressão e 25% nos sintomas de burnout entre os voluntários que fizeram o tratamento padrão mais o uso do canabidiol, em comparação com aqueles que só fizeram o tratamento padrão.

A verdade é que nesta pandemia ficou muito evidente que os mais vulneráveis desse país continuaram ainda mais vulneráveis. Mas a crise de saúde que nos assolou também trouxe à tona a necessidade de investirmos em ciência para alavancar várias áreas, inclusive a da saúde. E a cannabis medicinal, além de objeto de pesquisa para o tratamento de inúmeras outras doenças graves, pode ser uma opção de tratamento para muitos brasileiros afetados direta ou indiretamente pela Covid.

Essa é uma pauta que não pode ser ignorada, tampouco vencida pelo obscurantismo de um governo que não se importa com o que de fato interessa: a saúde e o bem estar das pessoas.

(*) Senadora pelo PSDB-SP, representante do Brasil no Comitê da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e fundadora do Instituto Mara Gabrilli

Ponto de vista

Últimas postagens

Instituto Teotônio Vilela: SGAS 607 Bloco B Módulo 47 - Ed. Metrópolis - Sl 225 - Brasília - DF - CEP: 70200-670