“Apetite político e agenda de reformas”, por Eduardo Leite
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O Rio Grande do Sul concluiu recentemente nova etapa de uma ousada agenda de reformas e soluções, conduzida com o intuito de pavimentar o caminho para um ajuste fiscal estrutural. Aprovamos, com apoio sólido da Assembleia Legislativa, a reforma da previdência dos militares, mais justa e fiscalmente responsável que a federal, com potencial para gerar uma economia de pelo menos R$ 200 milhões anuais aos cofres públicos gaúchos. A aprovação soma-se a uma série de outras que estão redesenhando o cotidiano fiscal do Estado e apontando um caminho reformista promissor, lastreado em construções políticas.
Um aspecto pode ser salientado nesta vitória e proporcionar uma reflexão para o País. Trata-se da concentração e da energia política que aplicamos na condução de todas as nossas reformas. Se temos méritos, entre eles está o de não perdermos o foco nas prioridades reais do nosso Estado, sem inventar inimigos, sem consumir combustível político com distrações eleitorais e sem confundir a população com falsos debates. Investimos cada um dos dias do nosso governo até aqui na tarefa de conversar de maneira transparente – e, sobretudo, serena – com a sociedade e propor alternativas concretas, muitas delas amargas e impopulares, mas sem as quais o Rio Grande do Sul não deixará a lanterna do ranking fiscal do País.
É possível que a profundidade da crise gaúcha esteja na raiz desse senso de urgência. Mas não creio que seja a única explicação. Parte dos resultados que alcançamos está ligada à firmeza de propósitos com que o nosso governo conduz essa agenda, dando continuidade e velocidade à pauta reformista nascida na gestão anterior. Outra parte se deve ao que chamo de apetite político, ou seja, a vontade objetiva de investir ponderação, clareza e negociação na resolução de desafios político-administrativos. Por trás dessa postura reside uma convicção: firmeza política não é imposição unilateral de uma vontade pessoal.
Em pouco mais de dois anos aprovamos um novo Código Ambiental, derrubamos o plebiscito para a privatização de estatais, aprovamos profunda reforma sobre as despesas administrativas e previdenciárias – cujo impacto será de R$ 18 bilhões em dez anos e responsável direto pela volta do pagamento em dia do funcionalismo depois de quase cinco anos de parcelamentos – e avançamos em pautas ligadas à competitividade, como a retomada de algum nível de investimento público, a desburocratização e a digitalização do governo. Conseguimos até reduzir impostos em plena pandemia! São movimentos expressivos, resultado de ação política com foco na transformação do Estado.
A agenda de reformas, no entanto, transcorreu com resistências e derrotas eventuais, que também merecem ser analisadas. Tentamos, por exemplo, promover uma reforma tributária mais ampla, que não encontrou a melhor compreensão da sociedade gaúcha e não avançou na Assembleia Legislativa. Talvez não tenhamos sido claros e convincentes, mas não foi só isso. Certamente o ambiente econômico turbulento em razão da pandemia não colaborou. Vamos voltar a discuti-la ainda em 2021, sem esperar o avanço de uma reforma nacional. Nossa proposta encontrou um velho inimigo dos impulsos pelas reformas no País e que também precisa ser enfrentado com apetite político: o populismo fiscal, que não tem ideologia, prospera à direita, à esquerda e ao centro.
Pelo lado da despesa, ele se materializa na defesa de gastos públicos infinitos, para sustentar programas e serviços de conveniência, geralmente com o intuito de satisfazer projetos eleitorais. Pelo lado da receita, escora-se num conceito que até pode ser justo e com o qual todos concordam: ninguém gosta de pagar mais imposto. Justo e ingênuo, pois não há como garantir e ofertar direitos ou serviços públicos crescentes com receitas declinantes, ainda mais em cenários adversos como o atual, em que estamos sendo desafiados administrativamente pela pandemia. Trata-se, portanto, de uma ilusão.
Creio que a mensagem que o Rio Grande do Sul esteja espalhando neste momento seja justamente a de indicar que a máquina política pode funcionar com alguma dose de sobriedade e sensatez. Que a administração pública não depende de super-heróis e não se pode espelhar apenas naqueles que gritam nas redes sociais, com sua dose diária de mentiras, desfaçatez e dispersão. O Brasil perde tempo acompanhando o Twitter de alguns alucinados, atrasando a realização das reformas aguardadas pela sociedade. Fica dividido e distraído com ódio e provocações, que não levam a lugar nenhum, ao contrário: servem à obsessão eleitoral de quem transformou o poder em domínio pessoal ou de um grupo ideológico, geralmente apartado de um país cansado dos extremos.
Em relação às transformações sistematicamente adiadas pelo calendário da polarização e da conveniência, é importante dizer de uma maneira mais direta: o primeiro passo para o sucesso de uma agenda de reformas no Brasil é ter apetite político para fazê-las.
(*) Governador do Rio Grande do Sul
Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 29/03/2021