Herói tratado como delinquente

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A demissão do chanceler Antonio Patriota em razão da transferência do senador boliviano Roger Pinto Molina de La Paz para território brasileiro ilustra a pequenez que orienta nossa diplomacia na era petista. Também demonstra que, nestes tempos bicudos, Brasília preza mais a ideologia do que direitos fundamentais e humanitários – algo que o tratamento dispensado aos médicos cubanos já havia revelado. Molina foi transferido no último fim de semana a Brasília pelo encarregado de negócios da embaixada do Brasil na Bolívia, o diplomata Eduardo Saboia. Estava há 452 dias confinado num cômodo da representação brasileira em La Paz depois de ter obtido asilo do governo brasileiro. Aguardava, desde então, que o governo Evo Morales lhe concedesse, como preveem as boas regras de conduta do direito internacional, salvo-conduto para poder deixar o país. Sem sucesso. As condições em que vinha vivendo o senador – o mais aguerrido político de oposição ao governo Morales – eram precárias. Ele não via a luz do sol, não saia do quarto (na realidade, uma sala sem ventilação onde fica o telex da embaixada) e mal encontrava pessoas. Da família, só teve contato com a filha mais nova, Denise, ao longo destes 15 meses. Sua saúde estava em estado deplorável. “Você imagina ir todo dia para o seu trabalho e ter uma pessoa trancada num quartinho do lado, que não sai? (…) O senador estava havia 452 dias sem tomar sol, sem receber visitas. Eu me sentia como se fosse o carcereiro dele, como se eu estivesse no DOI-Codi. O asilado típico fica na residência, mas ele estava confinado numa sala de telex, vigiado 24 horas por fuzileiros navais”, relatou Saboia à Folha de S.Paulo. Há uma semana, Molina foi examinado por um médico, depois que Saboia informara o Itamaraty que seu quadro de saúde piorava a olhos vistos. O laudo apontou uma série de problemas, como candidíase (infecção que indica enfraquecimento do sistema imunológico), taquicardia, hiporexia (perda de apetite), taquicardia, dificuldade respiratória, pressão alta e síndrome depressiva, como informa o Valor Econômico. O governo Dilma, porém, continuou sem agir. Foi aí­ que Saboia, fortemente movido por valores cristãos, levou adiante a transferência do senador boliviano para solo brasileiro. Deixou de lado regulamentos frios e optou por princípios que nossa diplomacia sempre prezou, em especial a defesa dos direitos humanos, mas que claramente vinham sendo violados no caso de Molina. Para levar seu intento a bom termo, o diplomata teve que cruzar 1.600 km de estradas, cortar áreas dominadas pelo tráfico de drogas e, finalmente, desembarcar em Corumbá (MS) depois de uma epopeia quase heroica. Por sua postura valorosa e ousada, Saboia receberá como retribuição do governo brasileiro um processo administrativo e deverá ser “severamente punido” por “grave quebra de hierarquia”, segundo O Estado de S.Paulo. Entre ficar com valores que historicamente orientam nossa diplomacia e agradar um governo pouco afeito à democracia, o governo da presidente Dilma Rousseff ficou com a segunda opção. Sacrificar o chanceler Patriota e punir Saboia com rigor transformou-se em gesto de mesura de Brasília junto ao governo de Evo Morales, ao qual, mais uma vez, a gestão petista se curva – numa tradição que vem desde a desapropriação acintosa de um bilionário ativo da Petrobras logo no início do mandato dele, em 2006. O que Eduardo Saboia fez é o que qualquer pessoa de bem faria: ajudar um cidadão a não sucumbir à tentação de desistir da vida. Entre praticar o que os preceitos humanitários indicam e defender a liberdade de um homem ou dizer amém a um governo insensível e despótico, ficou com suas convicções cristãs. Deveria ser tratado com honrarias, mas, para a apequenada e pusilânime diplomacia brasileira, ele não passa de um delinquente.

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