Princípios do Fim

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Os consensos para Temer aproveitar melhor o tempo que lhe resta estão na agenda econômica. Polêmicas ambientais e comportamentais deveriam aguardar o governo eleito

Proclamado o resultado da votação desta quarta-feira na Câmara, o atual governo provavelmente entrará na sua fase derradeira. Surgirá daí a melhor oportunidade que Michel Temer terá para fazer história ou não. Sua condição política não é das melhores, mas pode estar aí a chave para fazer o que realmente precisa ser feito pelo país nestes 14 meses que ele tem pela frente.

O que para um presidente da República com maiores ambições poderia ser problema intransponível para Temer pode funcionar como impulso. Ele é o presidente com mais baixa popularidade de que se tem registro, mas mantém base parlamentar extensa. Além disso, não parece ter pretensão maior do que completar o mandato presidencial. Reeleição, claro, nem pensar.

Tal situação dá a Temer condição de levar adiante iniciativas que, fosse outro o mandatário, dificilmente teriam como sair da gaveta. A busca por popularidade e por novos mandatos costuma funcionar como barreira quase intransponível para medidas quase sempre amargas, ainda que necessárias, nas etapas finais de governo. Este constrangimento o atual presidente não terá.

O ideal seria Michel Temer concentrar todas as energias de sua gestão numa agenda clara de ajuste da economia, posto que esta é a seara em que é incontroversa a necessidade de reformas e em que os primeiros resultados, decorrentes do que foi feito neste último ano e meio, já começaram a despontar. Dois triunfos ele já garantiu: a inflação baixa e a taxa de juros na sua mínima histórica.

Claro que não há unanimidade em relação às opções à mão, mas a dominância de alguns consensos relativos sobre alguns temas já dá ao governo condição suficiente para avançar bem mais do que avançou até agora.

Ainda é o caso, para ficar no exemplo mais imperioso, da reforma da Previdência. Só piadistas ou gente mal intencionada – o pior é que elas existem e não têm o menor constrangimento em se manifestar – é capaz de negar a necessidade de mudanças. Fazer as alterações é brecar privilégios e consertar iniquidades que o sistema atual carrega. Desde que não se limite a meros remendos, vale a briga.

Também merece maior ímpeto a aprovação de alguma reforma tributária. Há aí um manancial para corrigir distorções, atacar a regressividade (pobres pagam proporcionalmente mais que ricos), dar maior competitividade às empresas brasileiras e atacar a irracionalidade do cipoal que é pagar tributos hoje no Brasil.

As medidas econômicas de ajuste anunciadas em agosto também deveriam ser abordadas sem maiores delongas. Incluem aumento de alíquota de contribuição previdenciária para o funcionalismo e suspensão de aumentos salariais para servidores. Mais do que necessárias para segurar o rombo orçamentário do ano que vem, são corretas e justas tanto do ponto de vista fiscal quanto de justiça social.

Temer deveria manter distância, contudo, de temas controversos e que não demandam a mesma urgência das reformas acima citadas. Assuntos comportamentais, ambientais e polêmicas sociais estão nesta lista, como a portaria sobre trabalho escravo, a anistia a multas ambientais e a possibilidade de permissão de reajustes dos planos de saúde de idosos.

Todas são questões que exigem debate aprofundado, para que eventuais mudanças promovam de fato aperfeiçoamentos, e não retrocessos. Dessa forma, não se justificam a equivocada portaria do Ministério do Trabalho nem a complacência com irregularidades ambientais. Se há excessos de natureza administrativa, como abusos de fiscalização, são eles que devem ser corrigidos, e não as regulações baseadas em princípios inquestionáveis, como a dignidade da atividade laboral.

Haverá os que irão querer pintar com tintas de “fim de festa” os meses que Temer tem pela frente, transformando o presidente em um “pato manco”. Errado. É tempo suficiente para realizar muito – é quase o mesmo que ele teve até agora desde que tomou posse provisoriamente em maio de 2016. É tempo capaz de aprontar a casa para quem vier depois, ainda mais usando a impopularidade e a falta de pretensões eleitorais do presidente a favor.

Entretanto, não será alimentando o fisiologismo, distribuindo cargos a granel, transformando o orçamento público em moeda de troca ou engavetando reformas que precisam ser feitas que Michel Temer prestará melhores serviços ao país e carimbará seu passaporte para a história. Está nas mãos dele usar os pouco mais de 400 dias que tem adiante para entregar ao sucessor um Brasil melhor, mesmo diante de toda a reação e resistência que terá de enfrentar.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1684

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