Reforma Incompleta

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Se não houver surpresas nas próximas horas, é certo que a propalada reforma política mais uma vez frustrará o eleitor e colaborará para afastar representantes de representados

O mundo da política corre risco de perder, mais uma vez, oportunidade de aproximar-se do mundo real. A reforma nas leis que regulamentam as eleições, o funcionamento dos partidos e a representação popular no Legislativo sempre é apontada como “a mãe” das demais, mas sempre que chega a hora H vira madrasta.

O Congresso tem até o fim da próxima semana para aprovar mudanças que valham nas eleições gerais do ano que vem. Ainda haverá votações na Câmara e depois no Senado, algumas em dois turnos por envolver emenda constitucional. Ainda há tempo, e alguma esperança, de os parlamentares construírem uma reforma melhor do que a que se desenha no horizonte.

Por ora, apenas um mísero avanço institucional foi alcançado: a partir de 2018, passa a vigorar a exigência de desempenho eleitoral mínimo para que partidos tenham direito a recursos públicos, tempo de rádio e TV (outra forma de recurso público) e funcionamento parlamentar. Se estivesse valendo, 11 dos 25 partidos com representação atualmente no Congresso estariam fora. Provavelmente, não fariam falta alguma.

Em compensação, os demais arranjos da reforma têm sido decepcionantes. Em especial, o que trata do fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais, ou seja, para deputados e vereadores. A proposta era tornar a nova regra válida já em 2018, mas ela só começará em 2020 na escolha dos próximos vereadores. Continuará vigorando um sistema que distorce a vontade do eleitor e incentiva o balcão de negócios partidário.

A bola da vez é a criação de algum fundo público de financiamento de campanhas, decorrência da criminalização da política, por um lado, e de uma decisão do Supremo, por outro, que vedou a possibilidade de doação por empresas a partir de 2016.

Um dos resultados palpáveis desse modelo pôde ser visto nos pleitos do ano passado, em que candidaturas ricas tiveram bem mais desenvoltura, e muito menos dificuldade, para seduzir o eleitorado. Houvesse regra disciplinando seriamente o financiamento por empresas não se estaria agora avançando sobre o orçamento público.

Se não houver surpresas nas próximas horas, é praticamente certo que a propalada reforma política mais uma vez frustrará o eleitor. Mais uma vez, colaborará para manter representantes alheados de representados. Falta tanto ousadia quanto mudanças reais na direção de fortalecer a nossa democracia, encontrando formas de os cidadãos se religarem à política.

Há todo um mundo novo que redefiniu a forma de interação das pessoas, à margem das instituições, como partidos e sindicatos. A intermediação na manifestação de demandas e opiniões deixou de ser necessária e a sociedade se desinteressou de sua representação: cada um agora prefere tratar de si, temperado com alguma tentativa de coesão identitária.

Quem vive e faz a política deveria não apenas agir reativamente a isso, como acontece hoje com representantes acuados por redes sociais muitas vezes insalubres. Devia mesmo era atuar para orientar o fluxo, aproveitar as oportunidades nascidas da tecnologia, melhorar o sistema e promover mudanças reais, antes que seja tarde e a política valha quase nada na cabeça do cidadão.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1665

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