Na Aba do Chapéu Alheio

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Desoneração da folha de salários converteu-se num sorvedouro de recursos públicos, afetando a arrecadação de tributos e, sobretudo, o financiamento da Previdência

O Congresso prepara-se para votar nos próximos dias projeto de lei que suspende benefícios tributários concedidos a alguns setores econômicos. Trata-se de política que surgiu bem intencionada, em 2011, mas desvirtuou-se nas mãos do PT e transformou-se em sorvedouro de dinheiro. A chamada desoneração da folha deveria ser página virada, mas o Parlamento caminha para dar-lhe sobrevida.

Instituída pelo governo Dilma Rousseff, a redução de tributos incidentes sobre a folha de pagamentos nasceu correta. Para, de acordo com a justificativa oficial, impulsionar a economia, empresas intensivas em mão de obra, ou seja, que empregam muita gente, deixaram de recolher tributos sobre salários, num percentual de 20%, e passaram a ser descontadas conforme sua receita bruta, num percentual entre 2% e 4,5%.

Era para ser uma boa política de indução de investimentos e de geração de novas vagas de trabalho. Mas não foi. Deveria concentrar-se em cinco setores específicos, mas acabou virando uma colcha de retalhos em que entrou quem conseguiu gritar mais alto – o total de segmentos favorecidos chegou a 56. Virou, portanto, mais um remendo no cipoal tributário brasileiro.

Mais grave, converteu-se num dreno de recursos públicos, afetando a arrecadação de tributos e, sobretudo, o financiamento da Previdência. Em meio a outros fatores, com a iniciativa o governo federal perdeu receita, viu sua capacidade de atuação reduzida e, pior, comprometeu a solvência do INSS.

Isso fica especialmente evidente no desempenho recente da previdência urbana. No curto espaço de três anos, a partir de 2014, ela despencou de superávit de R$ 31 bilhões para o rombo atual de R$ 72 bilhões. É claro que outros fatores, como a recessão, são os principais responsáveis pelo mergulho, mas a desoneração também pesou.

A desoneração chegou a ser classificada como “brincadeira” pelo então ministro Joaquim Levy, em razão de seu alto custo: R$ 25 bilhões por ano ou o equivalente a quase um Bolsa Família. Nas contas do governo atual, é menos. Inicialmente a reoneração da folha traria para os cofres públicos receita de R$ 32,6 bilhões até 2020, como parte dos esforços para corrigir os rombos fiscais. No entanto, agora o montante deve ficar bem menor.

Ocorre que a proposta enviada pelo Executivo ao Congresso em agosto último está sendo desfigurada no Parlamento. O texto inicial mantinha o benefício para apenas três setores, mas o relator da matéria na Câmara, deputado Orlando Silva (PCdoB), opera um balcão em que a cada dia mais segmentos se salvam e preservam o privilégio fiscal. Na aba do chapéu alheio, quem roda é o erário.

A política que vigorou desde 2011 – que, haja vista também a recessão e o desemprego monstruosos recentes, mostrou-se ineficaz – escancara os limites que iniciativas de caráter discricionário e localizado têm para produzir justiça tributária e, pior, seu poder de gerar novas distorções no já bastante disfuncional sistema produtivo nacional.

Sim, o Estado brasileiro precisa ser menos guloso para ajudar a recuperação econômica e a geração de empregos. Mas isso não se faz livrando apenas alguns contribuintes enquanto a maioria continua esbulhada. O que o país precisa mesmo é de uma ampla reforma do sistema tributário, a fim de aliviar a carga de quem é muito onerado e taxar melhor quem hoje é menos castigado. A desoneração da folha fará sentido se for parte desse processo.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1749

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