Mundo Com Mais Fronteiras

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A nova situação surgida da eleição de Trump impele o Brasil a lançar-se com determinação redobrada numa vigorosa agenda de integração comercial com o resto do globo

A eleição de Donald Trump poderá representar um marco nas relações comerciais globais. Infelizmente, até onde é possível enxergar por ora, negativo. Se o republicano de fato levar adiante promessas de sua plataforma de campanha, o mundo poderá sofrer retrocesso considerável no processo de abertura de fronteiras, liberalização de mercados e integração multilateral.

A vitória de Trump acontece no mesmo momento em que o comércio global declina. Há um mês, a Organização Mundial do Comércio (OMC), dirigida pelo brasileiro Roberto Azevêdo, reviu para bem abaixo sua previsão de crescimento para o comércio internacional neste ano. Os prognósticos caíram de 2,8% para 1,7%, no pior resultado desde a crise de 2008.

Historicamente, o comércio internacional tende a oscilar numa proporção sempre maior que a do PIB global. Em 2016, contudo, e pela primeira em 15 anos, esta relação não vai se verificar, de acordo com a OMC. Para o ano que vem, as perspectivas não se alteram muito. A estimativa de alta do comércio global oscila entre 1,8% e 3,1% – após os resultados desta quarta-feira, provavelmente mais perto do piso que do teto.

Diante disso, as primeiras palavras de Trump já como presidente eleito ontem causaram certo alívio para quem trabalhava com a hipótese do caos. Ele poderá se mostrar mais pragmático e moderado do que jamais se pôde sonhar em vista de seu belicoso desempenho durante a campanha presidencial – para o que certamente colaborarão as reconhecidas solidez e estabilidade das instituições americanas.

No entanto, aparentemente, suas convicções protecionistas não deverão mudar, conforme a maioria das análises feitas após a confirmação do resultado.

A disposição dele de retirar os Estados Unidos da Parceria Transpacífica (TPP), de reabrir (no sentido de rever, renegociar e desidratar) o Nafta e “identificar, e então remediar, todos os ‘abusos’ de comércio exterior ‘que afetam injustamente os trabalhadores americanos'”, de acordo com reportagem do Wall Street Journalreproduzida pelo Valor Econômico, está mantida. Nada disso interessa a quaisquer parceiros comerciais dos americanos.

A vitória de Donald Trump coincide com outras medidas restritivas de comércio e antiliberalização registradas ao redor do mundo. Desde 2008, o comércio internacional expande-se a uma média equivalente a cerca de metade da registrada nos últimos 45 anos, segundo mostrou o FMI no mês passado. Há também indicações de uma recente ascensão nas barreiras não tarifárias, conforme avaliou Martin Wolf no Financial Times.

É fora de questão que um mundo com mais, e não menos, fronteiras não interessa ao Brasil. O país precisa, desesperadamente, integrar-se mais à economia global, da qual foi isolado pela política externa e comercial acanhada patrocinada pelos governos petistas ao longo dos últimos 14 anos e da qual o governo Michel Temer agora procura se desvencilhar.

Hoje, embora seja a oitava maior economia do mundo, o Brasil ainda é apenas o 25º maior exportador, com participação de mero 1,5% das exportações globais. Numa lista compilada em 2013 pelo Banco Mundial, o Brasil figurava na última colocação entre 179 países em termos de proporção entre importações e PIB – desde então, com a desidratação da nossa economia, esta relação não deve ter melhorado.

No caso específico da relação Brasil-EUA, um alento pode estar no fato de que boa parte das nossas exportações de bens industrializados – que correspondem a 78% das vendas brasileiras para lá neste ano – se darem entre subsidiárias de mesmas firmas. Tendem, portanto, a serem menos afetadas por eventuais restrições impostas pelo novo governo, que poderiam prejudicar a própria economia americana.

Guardadas as devidas proporções, a agenda protecionista de Trump, se realmente levada adiante, reproduz a fracassada experiência vivida pelo Brasil nos últimos anos. O isolamento comercial – aliado, claro, à irresponsabilidade e ao corrupto vale-tudo internos – nos custou a perda do melhor momento da economia mundial em décadas. Hoje, somos obrigados a conviver com o ônus do boom, sem ter se apropriado dos bônus.

De todo modo, a nova situação surgida da eleição de Trump impele o Brasil a lançar-se com determinação e vitalidade redobrados numa vigorosa agenda de integração comercial com o resto do mundo. Neste sentido, mais que nunca, a conclusão de um acordo com a União Europeia e a revisão de regras do Mercosul soam urgentes.

Mais que nunca, o Brasil precisa de mais e não menos comércio e integração com o resto do globo. Perseverar no isolamento ou estacar no protecionismo não são opções para uma nação que necessita urgentemente superar sua maior crise econômica. O governo de Donald Trump representa sério risco a estas pretensões, mas pode, também, transformar-se numa bela oportunidade para que trilhemos o caminho mais venturoso.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1475

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