Estados de Putrefação

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A renegociação das dívidas dos estados deve ser aproveitada para que seja feita reestruturação relevante na forma perdulária com que a maioria deles tem sido governada

É brincar com fogo o cabo de guerra que governadores e suas bancadas travam no Congresso para desidratar o projeto de lei que institui um novo regime de recuperação fiscal dos estados. A situação, do Oiapoque ao Chuí, com raras e honrosas exceções, é de calamidade, para dizer o mínimo, mas alguns preferem tratar o assunto com um olho na política e o outro vendado para a dura realidade.

Os estados brasileiros estão quebrados. Gastam aos tufos o dinheiro que não têm. Não fornecem aos cidadãos os serviços que deveriam, em contrapartida aos altos tributos que recolhem. Incham suas folhas de pessoal, metem-se em investimentos ruinosos, mas deixam de entregar o mínimo: saúde, educação, segurança e alguma infraestrutura básica.

O governo federal tenta desde agosto do ano passado aprovar lei que dê fôlego financeiro aos estados, concedendo-lhes carência de alguns anos para pagamento do que devem à União e a bancos oficiais. A legislação em vigor sequer permitia isso, uma vez que as dívidas atuais já são consequência de renegociação travada 20 anos atrás. Alívios, mesmo temporários, também são coibidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Mas, diante da situação de calamidade, que em alguns casos descamba mesmo para a putrefação, o governo federal se viu na urgência de socorrer os estados, sob o risco de ver a federação simplesmente implodir. Para conceder os benefícios, exigiu contrapartidas, na forma de congelamento de salários e contratações, aumento de cobrança de contribuições previdenciárias e venda de ativos. Os problemas começam aí.

Os governadores querem a parte boa e doce do acordo – o refresco no pagamento das dívidas – mas recusam-se a aceitar o naco amargo – os sacrifícios que podem lhes custar o futuro político, mas que salva o presente dos estados de um naufrágio completo. Ontem, mais uma vez, conseguiram impedir a votação da proposta do Planalto. Deveriam ter maior compromisso com as comunidades que governam.

Há evidências de sobra de que os estados mergulharam numa farra sem tamanho ao longo dos últimos anos – muitos deles incentivados pela irresponsabilidade que emanava do governo federal sob gestão petista. Um exemplo: entre 2012 e 2015, as despesas com pessoal aumentaram quase 12% acima da inflação, segundo estudo publicado pelo Tesouro Nacional em outubro passado.

Os gastos com pessoal (ativos e inativos) é simplesmente explosivo. Estudo divulgado nesta semana pela Firjan resenha os contornos da tragédia. Metade dos estados gasta acima do limite com a folha de pagamentos – Minas, por exemplo, torra 78% de suas receitas com este tipo de dispêndio. As despesas com aposentados e pensionistas dos regimes estaduais também não param de crescer, alcançado déficit de R$ 102 bilhões no ano passado; em 24 unidades da federação, as contas já estão no vermelho.

O menor dos problemas dos estados é a dívida que têm com a União – na realidade, apenas Rio, Minas e Rio Grande do Sul estão com esta corda no pescoço. Mas a desgraça comum a praticamente todos eles é a explosão dos gastos obrigatórios, em especial pessoal e previdência. É, basicamente, a mesma dificuldade que aflige o governo federal e o força a reformar o sistema nacional de aposentadorias e pensões – algo que boa parte dos governadores se nega a fazer.

A situação é tão severa, que, mesmo com muito esforço previsto na proposta de novo regime fiscal feita pelo governo, as contas da maioria dos estados só voltaria ao equilíbrio na próxima década, segundo estudo da Instituição Fiscal Independente.

É preciso que a renegociação em marcha não resulte apenas em alívio imediato nos pagamentos das dívidas estaduais. A ocasião deve ser aproveitada para que seja feita reestruturação relevante na forma perdulária com que a maioria das unidades da federação tem sido governada. Isso implica aplicar com rigor as contrapartidas previstas no projeto de lei.

Negar a gravidade da crise e a evidente necessidade de um ajuste profundo nas finanças, tanto federais quanto estaduais, do país é negligenciar compromissos e mandatos outorgados pelos eleitores. O momento é de responsabilidade e não de oportunismo, e menos ainda de espertezas políticas.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1558

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