Coice na Constituição

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Quem defende, preza e respeita a lei só tem um caminho a seguir: contestar a votação que manteve a ex-presidente habilitada para o exercício de funções públicas

Era para o Brasil estar discutindo ações e medidas capazes de virar a página do atraso representado pela ex-presidente cassada e seu partido. Mas a esperteza dos defensores de Dilma Rousseff e seus aliados, fiéis ou de ocasião, lançou o país numa nova paralisia. Não parece atitude de quem quer construir qualquer solução para a crise.

A “bizarra” – para ficar na expressão precisa do ministro Gilmar Mendes – ou “pouco ortodoxa” – como definiu o decano Celso de Mello – decisão de fatiar a votação do impeachment criou impasse que obrigará o Supremo Tribunal Federal a entrar em campo. Se este é o preço para defender a legalidade e não aceitar que o Brasil seja tratado como republiqueta, que assim seja. Trata-se de deliberação inadmissível.

Quem defende, preza e respeita a Constituição brasileira só tem um caminho a seguir: contestar a votação feita pelo Senado na quarta-feira que manteve a ex-presidente habilitada para o exercício de funções públicas. Não se trata de questão política ou partidária. A decisão é um coice no bom senso, no estado de direito e nas instituições.

Em seu parágrafo único, o artigo constitucional que trata das competências do Senado Federal estabelece: “Nos casos previstos nos incisos I [processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade] e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Nada mais claro: impeachment e inabilitação são indissociáveis.

Nunca, talvez, se tenha visto na história do país uma votação em que uma manobra de plenário tenha cindido um trecho do mérito da Constituição posto em discussão. Aceitar o que parte do Senado admitiu na quarta-feira é concordar que o voto de uma meia dúzia de parlamentares possa alterar a Carta Magna do país a seu bel-prazer. (O grau de desmazelo com que a proposta do PT foi acatada fica claro nesta entrevista publicada pela Folha de S. Paulo.)

As consequências da decisão são ruins em todos os aspectos. Cria instabilidade jurídica. Acena como precedente perigosíssimo para outros casos semelhantes e permite a inimputabilidade a outros tantos crimes cometidos por agentes públicos – para não precisar ir muito longe, por muitos congressistas já enrolados com a Justiça.

Pior ainda, o coice na Constituição dado em pleno Senado Federal também acaba por funcionar como incentivo e combustível aos que estão dispostos a tudo para tocar o terror no país à guisa de defender o regime afastado. O que parece realmente interessar a esta gente é tumultuar e travar o Brasil e não encontrar quaisquer soluções para a crise que eles mesmos patrocinaram. Dê-lhes pretexto que eles responderão com baderna.

Espera-se que o Supremo Tribunal Federal reponha a decisão de quarta-feira nos seus devidos termos. O correto, o razoável e aquilo que está estritamente dentro do que estabelece a Constituição é preservar intacta a cassação de Dilma Rousseff e imputar-lhe a inabilitação para o exercício de função pública pelos próximos oito anos que o artigo 52, tão cristalinamente, estabelece. Menos que isso será escoicear o país.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1430

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