Carta ao léu

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O documento enviado por Dilma ao Senado serve como registro de argumentos fantasiosos empregados para tentar fugir dos rigores da lei 

Dilma Rousseff teve ontem oportunidade de apresentar-se pessoalmente ao Congresso para defender-se da acusação de prática de crime de responsabilidade que a torna passível de perda do mandato. Não o fez. Preferiu o conforto de uma carta de 26 páginas, lida perante a comissão do impeachment por seu advogado. Mas o que o texto contém não adere à realidade.

O documento tem três momentos, criteriosamente articulados para dar-lhe emoção, razão jurídica e peso político, nesta ordem. Mas, a crer no que lá está escrito, o país que Dilma governou até 12 de maio passado era outro, onde as contas públicas foram tratadas com zelo e as ações de governo progrediam às mil maravilhas. É este o Brasil em que estamos?

Na fase emotiva da carta, a petista se coloca como “uma mulher honesta, uma servidora pública dedicada e uma lutadora de causas justas”. Orgulha-se do seu passado de guerrilheira e tenta lustrar seu ruinoso desempenho em diversas áreas do governo ao longo de mais de uma década com base em qualidades que afirma carregar desde o berço. Quais exatamente, é difícil saber.

Em seguida, a presidente afastada abusa dos argumentos jurídicos para sustentar que os delitos de que ora é acusada não passavam de “atos, como de praxe acontecia, praticados ao longo de uma rotineira gestão orçamentária”. A mulher que legou ao país a maior recessão da história, uma dívida em explosão e um orçamento reiteradamente deficitário assegura que sempre teve “claro compromisso com a responsabilidade fiscal”.

No que tange às acusações propriamente ditas, a petista retrata os ilícitos que lhe são imputados como práticas “rotineiras”. Vai além e faz pouco caso de as operações de crédito realizadas ao arrepio das leis fiscais terem assumido “um patamar específico”, ou seja, terem explodido e se transformado em método – criminoso – de gestão das contas públicas.

Em dois trechos da carta, Dilma ensaia admitir que, talvez, quem sabe, tenha cometido erros. Não diz quais, muito menos se arrisca a desculpar-se por eles. Prefere afirmar que está “sendo perseguida pelos meus acertos”. É a velha infalibilidade, soberba e arrogância que marcaram o descalabro administrativo dos últimos anos no país.

Por fim, Dilma tenta travestir seu afastamento do cargo, dentro de um processo absolutamente constitucional, de golpe desferido pelos que querem “ter uma chance de escapar da ação da Justiça”. Trai, contudo, seus atos pretéritos em franca oposição ao andamento das investigações, principalmente as no âmbito da Lava Jato.

A carta enviada ontem por Dilma Rousseff ao Senado servirá como registro dos argumentos fantasiosos que uma presidente da República tentou empregar para fugir dos rigores da lei e para dar algum lustro a uma trajetória fracassada. Como peça de defesa, terá lugar especial reservado nos escaninhos das irrelevâncias da história.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1399

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