Foi possível há 25 Anos, há que tentar sempre

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A virada de fevereiro para março de 2019 marcou o vigésimo quinto aniversário de lançamento da URV – e portanto do Real, no qual a URV se converteria quatro meses depois. Nos primeiros 25 anos do Real a taxa média anual de inflação brasileira foi cerca de 7-7.5 % ao ano, alta por padrões internacionais para períodos tão longos (embora hoje estejamos com as expectativas aparentemente ancoradas em taxas bem mais baixas). Este desempenho deve ser visto à luz do nosso longuíssimo passado de inflação alta, crônica, e crescente– até o Real. Com efeito, o Brasil foi o recordista mundial de inflação acumulada no período que estende do início dos anos 1960 ao início dos 1990. O País desconhecia taxas de inflação inferiores a 10% ao ano desde 1950. A média do período 1950-1980 foi da ordem de 25-30% ao ano. Chegamos a 100% em 1980, a 240% em 1985, a 1.000% em 1988 e a 2.400 % em 1993.

Este tipo de aceleração inflacionária por período tão prolongado, sintoma de conflitos distributivos e intenções de gastos em consumo e investimento que excediam de muito a capacidade de resposta da oferta doméstica, mascarava a extensão do desequilíbrio fiscal estrutural ex ante, para usar o terrível jargão dos economistas. Hoje, este desequilíbrio mostra sua face mais visível nas contas públicas, em particular de Estados e Municípios, que não contam mais com a inflação crescente para mascarar seus problemas, nem tampouco têm capacidade de endividamento adicional, não podendo escapar de fazer dificílimas escolhas, inclusive em apoiar reformas que lhes permitam algum raio de manobra, especialmente na área de pessoal, previdência e gradual retomada dos investimentos, áreas onde residem os grandes e fundamentais desafios a enfrentar.

Mais de uma vez neste espaço expressei minha confiança de que o Real tenha vindo para ficar, e para sempre, como a definitiva moeda nacional com seu poder de compra relativamente estável porque isto era, e é, do interesse de todos os brasileiros. Para tal, avançamos em algumas áreas mais: o regime de taxas de câmbio flutuantes está em vigor há mais de 20 anos e o regime de metas de inflação completará seus 20 anos em junho próximo. Esperamos que ambos se consolidem como os regimes cambial e monetário que mais convêm ao país e a seu futuro, à parte legítimas controvérsias sobre – dados os regimes — a operacionalização das políticas monetária e cambial e sobre os níveis específicos das taxas de câmbio e de juros. A consolidação destes dois regimes depende de avanços na área fiscal. A propósito, antes de comentário final sobre a difícil situação neste crucial ano de 2019, quero aproveitar a oportunidade destes 25 anos da URV/Real para chamar atenção para algo que não mereceria ficar relegado aos escaninhos da memória de uns poucos, porque é relevante para o Brasil de hoje — e seu futuro.

Como é sabido, FHC assumiu o Ministério da Fazenda em fins de maio de 1993, como o quarto ocupante do cargo antes que o Governo Itamar Franco alcançasse seu oitavo mês. Em 13 de junho daquele ano, cerca de três semanas depois, foi dado a público o então chamado Plano de Ação Imediata que colocava a questão do que chamava o descalabro das finanças públicas brasileiras no seu contexto mais amplo, resumido em 5 pontos, que reproduzo textualmente:

“1) O Brasil só consolidará sua democracia e reafirmará sua unidade como nação soberana se superar as carências agudas e os desequilíbrios sociais que infernizam o dia a dia da população. 2) A dívida social só será resgatada se houver ao mesmo tempo a retomada do crescimento autossustentado da economia. 3) A economia brasileira só voltará a crescer de forma duradoura se o país derrotar a superinflação que paralisa os investimentos e desorganiza a atividade produtiva. 4) A superinflação só será definitivamente afastada do horizonte quando o governo acertar a desordem de suas contas, tanto na esfera da União como dos estados e municípios. 5) E as contas públicas só serão acertadas se as forças políticas decidirem caminhar com firmeza nessa direção, deixando de lado interesses menores”.

Este quinto e último ponto detêm surpreendente atualidade, relevância e urgência, e deve continuar a ser visto em conjunto com os pontos 1 e 2. Como há vinte e cinco anos, é imperiosa a necessidade de Governos equacionarem a situação de suas contas, tanto na esfera da União como dos Estados e Municípios.Se em 1993 era fundamental um ataque determinado à inflação de mais de 2000%, o fim da hiperinflação não era um fim em si mesmo. Como dizia o ex-ministro Ricupero, era apenas o começo do início do princípio: a agenda para o Brasil pós-derrota da hiperinflação se confundia com a agenda muito mais ampla do desenvolvimento econômico social e institucional do País — livre da droga da inflação, seu zumbido e sua poeira que mascaravam, e portanto nos impediam de descortinar os verdadeiros problemas do País. Que continuam a nos assombrar, para muitos como indecifráveis esfinges e quimeras.

Não é preciso, como sugeriu Camus, “imaginar Sísifo feliz”, mas é preciso sim mostrar que nem todas as quimeras são indecifráveis e que nem todas as esfinges necessariamente nos devorarão. Já o fizemos no passado, apesar de todos os riscos e incertezas. É preciso manter viva a chama da esperança, a aposta no diálogo e a busca das convergências possíveis. Que sempre existem, apesar das aparências em contrário e do desassossego com certas disfuncionalidades destes primeiros 70 dias do Governo, e 40 dias do novo Congresso. Há que apostar no poder da persistência e no “realismo esperançoso” de Ariano Suassuna, para evitar a simplória dicotomia entre apenas duas posições polares: “otimistas e pessimistas”. Ou talvez pior para uma democracia pluralista: o “nós contra eles” substituindo o “eles contra nós”. O Brasil é maior que isso – e os brasileiros merecem algo melhor.

(*) Economista, foi Ministro da Fazenda

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 10/03/2019

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