Pensar em calçadas é pensar em saúde pública

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Em meu primeiro
mandato como deputada Federal, lá em 2013, fui convidada pela Prefeitura de
Londres para participar da sétima edição do evento internacional Fit Cities,
cuja proposta é discutir com profissionais de diversas áreas – arquitetos,
urbanistas, designers e profissionais de saúde pública – os meios de tornar as
cidades mais favoráveis à qualidade de vida da população.

Naquela época, os
londrinos, bem à frente do Brasil, já estavam discutindo a criação de políticas
públicas e o planejamento de cidades saudáveis. A ideia era trabalhar a
mobilidade urbana integrada à saúde dos cidadãos. Isso porque muitos projetos
arquitetônicos e urbanísticos das cidades podem ajudar a prevenir doenças, a
começar pela porta de entrada das nossas casas, as calçadas.

Segundo pesquisa
realizada por um grupo londrino de saúde pública, o transporte de qualidade,
aliado a boas calçadas, podem estimular as pessoas a caminharem para seus
destinos de trabalho ou educação, e assim favorecer sua saúde. A redução de
doenças do coração foi um dos maiores índices alcançados. Mas estudos recentes
também já mostraram que alguns fatores de risco ligados ao câncer podem ser
prevenidos incorporando à rotina diária uma hora de caminhada.

Aqui no Brasil,
embora a qualidade das calçadas seja muito inferior, dados do IBGE apontam que
30% de todas as viagens realizadas no país são feitas a pé.

O Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística também projetou que a partir de 2039, o
Brasil terá, em média, mais pessoas idosas (65 anos ou mais) do que crianças de
até 14 anos. Essas mesmas pessoas, que tanto contribuíram para a construção de
nossas cidades, também são as maiores vítimas de acidentes por quedas em
calçadas. Aliás, queda é considerada acidente de trânsito e hoje representa 15%
do total dos incidentes nas cidades.

Cair em calçadas,
além de reduzir a qualidade de vida e saúde das pessoas, gera custo aos cofres
públicos. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), apontou
que anualmente, só na cidade de São Paulo, são gastos pela saúde cerca de R$
250 milhões, só para reparar danos causados pelas calçadas. A equação mostra
que não dá mais para pensar em calçada, por exemplo, sem pensar em saúde
pública.

A União Europeia,
inclusive, tem se utilizado muito do conceito de “Health Inequalitiesâ€
(desigualdades na saúde) para medir o risco de incidência de algumas doenças em
populações mais vulneráveis. Para os europeus, é claro que entre grupos,
populações ou indivíduos, há diversas desigualdades em seu estado de saúde que
poderiam ser evitadas com políticas públicas.

Sabemos que a vida
acontece nas cidades. Quanto mais inclusivas, bem projetadas e humanas, mais
saudáveis serão as pessoas. Vale lembrar também que estimular a caminhabilidade
da população é melhorar, além da saúde, o trânsito, um problema frequente de
metrópoles brasileiras.

Para se ter um ideia,
o acidente de trânsito corresponde à metade dos casos de lesão medular no país.
Anualmente, cerca de 400 mil pessoas ficam com algum tipo de sequela. Entre as
vítimas de acidente de trânsito atendidas nos centros de reabilitação da rede
Lucy Montoro e AACD, metade sofreu lesão medular e se tornou paraplégica ou
tetraplégica.

Esse contingente de
deficiências, que cresce assustadoramente em todo o país, também custa caro à
saúde brasileira. Segundo levantamento do Observatório Nacional de Segurança
Viária, o custo dessa epidemia aos cofres públicos é de R$ 56 bilhões por ano.

Com essa quantia
seria possível construir, além de muitos km de calçadas, cerca de 28 mil
escolas ou 1.800 hospitais. Ou seja, a calçada é uma política pública que
passeia por várias áreas. Ela flerta com a saúde, o transporte, a segurança, a
mobilidade urbana, o turismo.

Relatada por mim na
Câmara dos Deputados, em um processo de construção que contou com mais de mil
contribuições de especialistas e da sociedade civil, a Lei Brasileira de
Inclusão da Pessoa com Deficiência (nº 13.146 de 2015), trouxe um novo olhar
sobre a reforma e manutenção do passeio, transferindo ao Poder Público a
responsabilidade de liderar o processo de reforma das calçadas nas cidades
brasileiras. A ideia é que essa incumbência não seja mais uma responsabilidade
do munícipe, mas sim dos prefeitos.

Para orientar os
gestores nesta empreitada, que sabemos não ser das mais fáceis, elaboramos a
Cartilha Calçada Cidadã, com informações claras e fundamentais para que a
reforma do passeio seja viável ao Orçamento das gestões, sem deixar de observar
as exigências da legislação. O material está disponível no link abaixo.

Documento

Espaços bem cuidados
refletem diretamente na saúde da população, no orçamento público em geral e no
cartão postal do nosso País. Por isso, você, gestor, deve pensar bem quando
abre mão de construir ou reformar uma calçada. A conta sairá muito mais cara futuramente.

(*) Mara Gabrilli, senadora (PSDB-SP),
publicitária, psicóloga, foi secretária da Pessoa com Deficiência da capital
paulista e vereadora por São Paulo. Em 1997, após sofrer um acidente de carro
que a deixou tetraplégica, fundou uma ONG para apoiar o paradesporto, fomentar
pesquisas cientificas e promover a inclusão social em comunidades carentes

Artigo publicado originalmente no jornal O Estado de São Paulo, na edição de 06 de agosto de 2019

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