O Fundo é do Trabalhador

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É correto que o FGTS continue sendo alavanca para obras que produzam ganhos sociais, mas é deplorável o uso para favorecer empresas amigas do poder, como recorrente no governo anterior

Às vezes até o óbvio precisa ser realçado no Brasil. É o caso do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, o FGTS. O dinheiro depositado de forma compulsória todos os meses pelos empregadores privados é dos trabalhadores, a quem deveria caber a escolha sobre o que fazer com ele. Quase nunca, contudo, é assim.

O FGTS é remunerado à mais baixa taxa praticada no mercado: 3% de juros anuais mais a variação da taxa referencial, a TR – que, para se ter uma noção, oscilou estrondoso 1,88% no ano passado. Obrigar o trabalhador a manter seu dinheiro numa aplicação assim é tungar-lhe boa parte do seu patrimônio.

Neste sentido, vem em ótima hora a decisão do governo do presidente Michel Temer de permitir que os saldos depositados em contas inativas do FGTS possam ser sacados pelos seus titulares sem se enquadrar nos casos típicos (perda de emprego, aquisição de casa própria, aposentadoria ou doença grave). Estima-se que em torno de R$ 30 bilhões sejam retirados e colocados na economia, preferencialmente para quitar ou abater dívidas e fazer algum investimento.

Há 49,6 milhões de contas inativas – assim definidas como as que estão sem movimentação desde 31 de dezembro de 2015 – do FGTS no país, com montante de R$ 43,6 bilhões guardados. Num momento de dificuldades como o atual, nada mais justo do que permitir ao dono do dinheiro, ou seja, o trabalhador, sacar o dinheiro mal remunerado para, por exemplo, quitar dívidas corrigidas por taxas muito mais salgadas. Os saques começarão em 10 de março.

A decisão de liberar as retiradas venceu resistências segundo as quais faltaria dinheiro para financiar obras de infraestrutura. Parece incrível que setores que nos últimos anos abocanharam dezenas de bilhões de reais do fundo do trabalhador tenham tentado interpor barreiras aos direitos dos próprios detentores dos recursos…

Sim, o dinheiro do FGTS é de fato importante para viabilizar obras de saneamento, mobilidade e moradia, como as do Minha Casa Minha Vida – de 2009 a 2015, R$ 44 bilhões de suas reservas foram alocadas em subsídios, conforme reportou O Globo no início do ano passado. Mas, nos últimos anos, este verniz serviu como justificativa para os mais ruinosos negócios de que se tem notícia, bancados por um fundo de investimentos sustentado pelo dinheiro dos trabalhadores, o FI-FGTS.

Criado em 2007 no governo Lula, o FI-FGTS “chegou a ter mais de um terço do total do patrimônio líquido, de R$ 34 bilhões, aplicado em companhias envolvidas no escândalo (investigado pela Lava Jato)”, informou O Estado de S. Paulo em junho do ano passado. A maior parte estava na Odebrecht. Em 2015, pela primeira vez em oito anos, a rentabilidade do FI-FGTS foi negativa, com perda de quase R$ 1 bilhão. O mau desempenho desequilibrou as contas do FGTS.

Noutra decisão recente, o governo federal decidiu ampliar a faixa de imóveis que poderão ser comprados com recursos do FGTS, numa medida positiva que também coloca o dinheiro do trabalhador a serviço do seu verdadeiro dono e ainda tem o condão de poder impulsionar um setor fortemente gerador de empregos, o da construção civil.

A próxima batalha para tratar melhor o dinheiro dos assalariados pode ser a melhoria da remuneração dos recursos depositados no FGTS – adotando, por exemplo, a hoje aplicada às cadernetas de poupança. É correto que o fundo continue sendo alavanca para obras que produzam ganhos sociais, mas é deplorável que seja usado preferencialmente e a bel-prazer para favorecer empresas amigas do poder, como ocorreu a rodo no governo do PT.

Salvo as poucas exceções recém-abertas pelo governo, o FGTS mantém-se como uma poupança forçada. Faz algum sentido, para ser usado por trabalhadores assalariados como um colchão de segurança para momentos de emergência. Mas é desejável que o dono do dinheiro possa dispor dele de maneira mais rentável – uma das possibilidades é poder usar os recursos em processos de privatização e venda de ações de estatais, como aconteceu no governo tucano nos casos da Vale e da Petrobras.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1531 

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