O Dia Seguinte

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Numa hora grave como a que vive o país, com um presidente denunciado, é preciso pensar nas consequências futuras de cada ato. Afinal, aonde queremos chegar com tudo isso?

Michel Temer tornou-se ontem o primeiro presidente da República da história do país a ser alvo de denúncia no exercício do cargo. Não é algo trivial. Mesmo assim, a acusação de corrupção passiva precisa ser muito bem sopesada antes que o peemedebista seja condenado publicamente sem sequer poder responder ao que ora lhe é imputado.

Em termos crus, a acusação que pesa sobre o presidente tem fragilidades. Não há, pelo menos por ora, uma prova inconteste, uma evidência acachapante ou um depoimento irrefutável que leve a uma condenação inequívoca. O que se tem – por ora, repita-se – é a palavra do maior réu confesso do país contra a de Temer. Nada além disso.

A acusação específica mais grave que detonou a crise mal aparece na denúncia apresentada ontem. Lembremos: as manchetes de 18 de maio afirmavam que Temer havia intercedido junto à JBS para comprar o silêncio de Eduardo Cunha na cadeia. Seria o trecho mais escandaloso da conversa do presidente com Joesley Batista. Embora transcreva o diálogo, a Procuradoria-Geral da República admite que ainda precisa de uma “análise mais cuidadosa, aprofundada e responsável” para formar opinião sobre o fato – a despeito de a Polícia Federal ter concluído relatório em que reforça a suspeita.

As inconsistências não param aí. Não há indício de que o dinheiro supostamente fruto da corrupção tenha chegado ao presidente, senão a um subalterno. O diálogo gravado que deu origem à denúncia não é conclusivo, com trechos cruciais para elucidar a trama inaudíveis ou contraditórios. A intermediação que Rodrigo Rocha Loures prometeu fazer para azeitar uma pendência da J&F no Cade não prosperou.

Pode, sim, haver corrupção, mas o que a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou ontem seguramente não contém provas necessárias e suficientes para a condenação de um presidente da República. O histórico recente de exageros e abusos por parte dos procuradores federais não ajuda.

É insólito também que no caso de Temer, assim como já havia acontecido no do senador Aécio Neves, a PGR tenha optado por fatiar as acusações em várias e novas denúncias. Parece querer dar maior volume e criar um efeito de avalanche de ilícitos, além de suscitar votações variadas no Congresso, quando sua prática corrente em outros processos foi reunir tudo em peças únicas. Por que será?

Mas a questão de fato relevante que deve estar posta para os que serão chamados a opinar e a decidir a respeito da denúncia apresentada ontem pela PGR é: afinal, aonde queremos chegar?

Se autorizada a investigação pelos deputados e aceita a denúncia pelo Supremo, sem Temer o país embarcará num governo-tampão de 180 dias sob o comando do presidente da Câmara. Nesse ínterim, ou ao fim do prazo, o presidente afastado pode retomar o mandato ou ser defenestrado em definitivo, no que seria o segundo impeachment em pouco mais de um ano.

Cumprido esse cronograma, o ano de 2017 já teria chegado ao fim e caberia ao Congresso eleger um novo presidente da República para completar o mandato que termina em 31 de dezembro de 2018. A hipótese de eleição direta antes de outubro do ano que vem não é abrigada na Constituição.

Tudo considerado, no espaço de dois anos, desde maio de 2016, quando Dilma Rousseff foi legitimamente afastada do cargo de presidente, o país poderá vir a ter nada menos que quatro mandatários. O que temos a ganhar entrando nessa roda-viva?

O clima aziago que se criou em torno de Michel Temer a partir da divulgação dos termos de delação de Joesley Batista só beneficiou, até agora, o PT. O partido, que até então dominava as manchetes, com seus seguidos casos de corrupção – não apenas suspeitos, mas comprovados – praticamente sumiu do noticiário.

Na delação dos Batista, os US$ 150 milhões franqueados a campanhas petistas desde 2010 viraram nota de rodapé. De forma estranhíssima, a PGR até agora nem cogitou oferecer denúncia contra Lula, Dilma ou qualquer outro petista igualmente citado pelo ultrapremiado relator da JBS.

A condenação de petistas do quilate de Antonio Palocci, sentenciado ontem a 12 anos de cadeia, ou a acusação final feita pela Lava Jato acerca do envolvimento direto de Lula no tríplex do Guarujá, com pedido de condenação e prisão por lavagem de dinheiro e corrupção, também vão passando meio despercebidas.

A eventual queda de Michel Temer atende, assim, às preces dos narradores do petismo. Tudo o que pediram a Deus é um fim peremptório para aquele que, segundo sua versão dos fatos, ascendeu ao poder por meio de um “golpe”. Um novo impeachment ou a renúncia representariam o coroamento da tese espúria e seu triunfo nos livros que contarão a história dessa triste época.

Não se pode deixar de atentar para isso ao decidir os próximos passos. O importante agora é que os ritos sejam rigidamente respeitados e as instituições cumpram seu papel, com responsabilidade em relação ao que cada decisão poderá custar ao país.

Por ora, Michel Temer não é culpado, tampouco inocente. Foi denunciado e deve responder jurídica e politicamente ao processo que se desenrolará a partir de agora. É hora de pensar, mais que nunca, no que reservará o dia seguinte aos brasileiros. Porque simplesmente pode não haver nenhum.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1612

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