Não vale tudo

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Nem toda urgência e emergência da reforma da Previdência justificam mais liberação de recursos públicos, mais cargos e concessões para convencer parlamentares recalcitrantes

Não há hoje na agenda do país assunto, projeto ou proposta mais incontornável, inadiável, imprescindível e inescapável do que a reforma da Previdência. Mas nem toda sua urgência e emergência justifica um vale-tudo pela sua aprovação, com iniciativas que colidem com os objetivos mais gerais que as mudanças no sistema previdenciário sintetizam.

Infelizmente, persistem entre os deputados resistências a votar as necessárias modificações no sistema de aposentadorias e pensões – inclusive dentro do PSDB, o que é ainda mais lastimável. Mas não é pela via do toma-lá-dá-cá que o governo conseguirá superá-las. As concessões conflitam com o espírito reformista, a saber, a necessidade de ajustar as contas públicas para que sobre algum dinheiro para atender melhor a população.

O placar de iniciativas recentes mostra que o governo já engoliu demandas que custarão R$ 43 bilhões ao país, entre novas despesas e renúncias de receitas, nos próximos anos. Assim fica mais difícil explicar para a população que, para gastar menos com a previdência, seja necessário gastar mais para atender interesses específicos, como o de microempresários ou produtores rurais.

Agora volta-se a falar em mais liberação de recursos públicos, remanejamentos orçamentários, cargos e concessões para tentar “convencer” parlamentares recalcitrantes. A lista inclui um esdrúxulo aporte do FGTS na Caixa. Não deveria ser assim.

Para piorar, as propostas destinadas a gerar receitas e impedir a explosão do déficit público, projetado em R$ 159 bilhões neste e no próximo ano, continuam empacadas, sob a resistência dos mesmos congressistas, pondo em risco o ajuste fiscal projetado para 2018, como mostra o Valor Econômico em sua edição de hoje.

Chegamos a um ponto em que a mais correta atitude de quem comanda o país seria expressar aos brasileiros a necessidade por si só da reforma, as justificativas para aprová-la e o propósito de não comprometer um centavo mais com tal missão. As mudanças se justificam por motivos de diversas e variadas naturezas; não parecem necessárias razões monetárias para votá-la e apoiá-la.

Há desde a questão aritmética até a questão demográfica. Já gastamos demais com pagamento de aposentadorias e pensões. São 13% do PIB, acima de países onde a média de idosos é bem mais alta que a do (ainda) jovem Brasil. Se nada for feito, não apenas agora como também mais à frente, a situação vai piorar até ficar irremediável.

Para aferir a iniquidade deste gasto, bem sintetizada por Bernard Appy n’O Estado de S. Paulo, basta observar que 5% do PIB vai para servir 1 milhão de privilegiados servidores públicos e os 8% restantes sustentam quase 30 milhões de pessoas. Segundo O Globo, com base em estudo do Ipea, 14% da população brasileira já recebe aposentadoria e/ou pensão – o que dá um beneficiário para cada sete brasileiros. É demais.

Há um oceano de razões objetivas, financeiras, de justiça social, de interesse público que justificam a reforma da Previdência. Mas seria ingênuo achar que apenas bons propósitos são suficientes para sustentar a sua aprovação no Congresso. A política real movimenta também aspectos de mais distintos matizes, alguns mesquinhos.

Mas chegou o momento de o governo não deixar prevalecer que interesses menores, assacados por alguns menos comprometidos com o país, se sobreponham, inclusive tisnando a percepção geral de que as mudanças previdenciárias são boas por si sós e para a imensa maioria dos brasileiros, sobretudo os mais pobres. Tudo que precisa ser comprado acaba saindo caro.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1714

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