Espinha Dobrada

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Com mudanças decorrentes das negociações no Congresso, reforma da Previdência deixa de exibir alguns de seus principais atributos, como o que punha fim a privilégios

Depois de ceder os anéis na negociação da reforma da Previdência, o governo agora entregou os dedos. A proposta apresentada hoje, e que irá a votação nas próximas semanas, difere bastante da que chegou ao Congresso em dezembro passado. Mais parece um remendo perto da ambição original e, principalmente, em relação ao que o país precisa.

As principais mudanças estão sintetizadas nesta apresentação do relator Arthur Maia.

Quebrou-se, por exemplo, a chamada “espinha dorsal” da proposta, que estipulava idade mínima de 65 anos tanto para homens quanto para mulheres. Seria o principal avanço da reforma. Mas, com as concessões de agora, apenas em 2040 o sistema previdenciário do país passará a dispor integralmente deste dispositivo, após longa transição.

Ontem, em novas flexibilizações, o governo sacramentou várias exceções a esta regra geral. Admitiu baixar o limite de idade para aposentadoria das mulheres para 62 anos. Professores e agricultores também se aposentarão com menos tempo, assim como parlamentares.

Mas não foi só. Policiais federais e civis, que já haviam conseguido diminuir a idade em que poderiam se aposentar, conseguiram arrancar ontem na marra mais um privilégio, baixando o limite para 55 anos, diferença de dez anos em relação à proposta original. Ainda não se sabe como serão tratadas as aposentadorias de militares das Forças Armadas. Juízes e procuradores do Ministério Público também chiam por seu naco.

É inconcebível que alterações no texto sejam acatadas como foram no caso particular dos policiais. Premiar o vandalismo de quem depreda um bem público como o Congresso Nacional, como estampado hoje em primeiras páginas de jornais do país, concedendo-lhes menor tempo de trabalho para se aposentar é zombar de quem não se vale de métodos extremos e antidemocráticos para fazer prevalecer seus desejos.

Com as mudanças das últimas horas, o governo deve viabilizar a aprovação da reforma, mas corre risco de ficar mal com os dois lados. Continua desagradando quem não quer mudança alguma e desconcerta quem tem convicção de que alterações profundas como as previstas no texto original da PEC 287 são fundamentais para o futuro do país. Nunca é demais lembrar: no ano que vem, o déficit de todo o sistema de previdência do Brasil deve bater em R$ 298 bilhões.

Objetivamente, a desidratação da reforma reduz substancialmente a economia para os cofres públicos prevista na proposta original. Já se admite que o montante, antes estimado em R$ 793 bilhões ao longo de dez anos, poderá cair entre 20% e 30%, de acordo com o Ministério da Fazenda. Ou muito mais, como esmiuçado pelo economista Nilson Teixeira na edição de ontem do Valor Econômico.

Com o avançar das negociações, foram-se embora alguns dos principais atributos que permitiam defender a reforma com todas as letras. Não dá mais para falar sem pestanejar que as mudanças põem fim a todos os privilégios. Não dá mais para comemorar que o novo modelo acabará com a profusão de regras distintas, tratando desigualmente trabalhadores de diferentes categorias.

Houve, contudo, mudanças positivas, como a que acabou com a abrupta regra de transição que constava da proposta original. Outro avanço digno de menção é o que estabelece exigências maiores para que servidores, mesmo os admitidos antes de 2003, consigam manter a integralidade e a paridade de suas aposentadorias – ou seja, recebam o mesmo de quando pararam de trabalhar e ainda obtenham os aumentos dos que estão na ativa.

O mais preocupante é que nem desidratada como já está a proposta caminha para ter aprovação garantida no Congresso, como indicou a derrota do governo na votação da urgência da reforma trabalhista ontem na Câmara. Mais uma vez, o país pode se ver diante do imperativo de fazer a mudança possível na Previdência e deixar a reforma necessária para um futuro que nunca chega.

– Carta de Formulação e Mobilização Política Nº 1567

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